quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A crise financeira e a pesquisa de marketing

Muitos profissionais da área de pesquisa com quem tenho mantido contato têm manifestado preocupação com as perspectivas para o setor durante a crise financeira que se iniciou ano passado com o problema do crédito imobiliário (sub-prime) nos EUA.

Costumo dizer que consultoria de qualquer área, pesquisa incluída, vive de problemas, crises se preferirem. Na verdade, mesmo gestores justificam a existência de suas funções como uma resposta a problemas enfrentados pelas organizações. Crises e problemas são partes integrantes da vida de uma organização e, da mesma forma, da carreira de um profissional. Basta imaginar que se uma organização não enfrentasse problemas não haveria razão para tantos gestores, especialistas, nem para consultores.

Penso que a atual crise, sem dúvida muito séria, irá alterar os mercados de atuação de muitos setores da economia de tal modo que muitas empresas serão pressionadas a repensar e reposicionar produtos, serviços e, mesmo, sua estrutura organizacional. Tudo isso, resultará em uma grande demanda de serviços de consultoria, inclusive de pesquisa. Senão no curto, certamente no médio e longo prazo.

Penso que a maneira como as empresas irão enfrentar o período de crise e gerenciar suas conseqüências irá condicionar de modo dramático a situação em que elas se encontrarão daqui, digamos, um ano – no início de 2010.

Consideremos um exemplo simples, diante das incertezas os consumidores tendem a adotar padrões de comportamento mais conservadores. Se não por opção, por necessidade, certamente. Então o que deve fazer uma empresa diante desse consumidor retraído? Retrair-se também? Não me parece a opção mais racional.

Imagino que as empresas que monitorarem mais detidamente seus consumidores atuais e prospectarem novos consumidores (potenciais) trazidos pelas mudanças de comportamento, irão se posicionar de maneira mais vantajosa no mercado, além de realizar um trabalho fundamental de construção e gestão de sua imagem.

Não creio que a maioria das empresas faça o que vai sugerido no parágrafo acima. Isso tende a ocorrer somente naquelas organizações mais maduras, em cujas culturas já se encontra enraizada uma mentalidade gerencial estratégica. Isso também explica porque o mercado de pesquisa de marketing mantêm-se constante – salvo o crescimento vegetativo. Poucas empresas realmente atingem tal patamar de maturidade estratégica e gerencial.

Curiosamente, a crise atual tende a reforçar ainda mais as empresas conduzidas com visão estratégica, racionalidade e voltadas para o mercado. Como disse um experiente executivo sobre o papel dos líderes na condução dos negócios durante tempos turbulentos: "Lembre-se de que a maneira como você se comporta durante uma crise, mais do que em qualquer outro momento, define o tipo de pessoa que você é. E isto é o que, acima de tudo, os outros irão lembrar sobre você" (1).

(1) Steve Tobak - How to Manage a Crisis, Any Crisis. In: The Corner Office – taking on the big questions facing CEO´s, Boards and shareholders. (blog)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Um bom exemplo de design retrô

Só para ilustrar o que foi divulgado no post abaixo "Consumo retrô – uma busca de referências perdidas".

O site de Thomas Thomassen apresenta o desenvolvimento do projeto de conclusão de seu Curso de Bacharelado em Artes. Lá estão as várias fases do projeto - esboço, maquete e o produto final - do case do Mini Mídia Center com visual totalmente retrô. Veja foto e confira o site do Thomas. Aliás, pelo que pude ver em outros sites especializados o projeto vai ser de fato comercializado. CQD.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Um Manual Prático para a Pesquisa Qualitativa


Certa vez, durante um curso de pesquisa qualitativa que fiz no mestrado, o professor nos contou que na sua defesa de tese de doutorado um renomado acadêmico da USP teceu o seguinte comentário: "Seu trabalho tem coisas boas e coisas ruins. As coisas boas não são novas e as novas não são boas". Imagino o terror que meu professor deve ter sentido nesse momento, pois uma das expectativas de quem produz um trabalho acadêmico é buscar ineditismo e avançar, ainda que alguns passos, agregando contribuições ao conhecimento pré-existente.

O fato é que essa frase sempre me surge quando penso no apelo que a novidade exerce diante das tradições. O momento atual enaltece o novo, cobra a mudança constante e exige o descarte imediato do que se considera ultrapassado. Torna-se quase uma obrigação introduzir novidades seja na moda, nos costumes, na política ou na religião. Os modismos nos chegam acelerados em todas as frentes, incluídas aí as áreas de marketing e pesquisa de mercado.

O que é "novo" é visto indubitavelmente como sinônimo de bom - inovação, renovação, superação e progresso. Enquanto que a "tradição" uma encarnação do mal – entrave, regressismo e decadência.

Não estou aqui pregando contra a inovação e a mudança, pois muitas vezes podem ser bem vindas e até necessárias. Sem um pensamento renovador não existiria, por exemplo, o avanço da ciência. Mas, qual o problema de se perpetuar tradições e tornar mais permanente aquilo que tem evidente valor e que funciona? Por que simplesmente descartar ou depreciar a tradição de uma boa teoria em nome de uma prática pretensamente inovadora?

Um clichê comum no meio acadêmico diz que: "A prática sem teoria é cega, teoria sem prática é estéril". Pois bem, a teoria e a prática são interdependentes e o trabalho do pesquisador qualitativo é se empenhar para conciliá-las, equilibrá-las.

É imbuído desse espírito "em favor da conciliação entre a tradição metodológica e práticas inovadoras na pesquisa qualitativa" que indico o texto A Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som – Um Manual Prático de Martin W. Bauer e George Gaskell – Editora Vozes (2002). Um texto imperdível para quem se dedica a pesquisa qualitativa em qualquer frente e, especialmente, para os que as aplicam em comunicação e publicidade.

Os autores apresentam e comentam diferentes técnicas para coleta e análise de dados como imagens (fotos e vídeos), sons e textos escritos. Além das técnicas mais usuais em pesquisa qualitativa - entrevistas individuais e em grupo – discutem a teoria e orientam para a prática da análise semiótica e discursiva.

O ponto alto do livro é a presença constante de uma visão crítica sobre as técnicas e a discussão sobre os cuidados e responsabilidades do pesquisador, o que chamam de "boas práticas de pesquisa", nos oferecendo parâmetros para realizar um trabalho criativo em termos de técnicas de coleta de dados, mas sem perder de vista o rigor metodológico, a preocupação com validade e fidedignidade da pesquisa qualitativa - e que estou chamando de tradição.

Vale abrir um espaço para esse texto na prateleira de sua biblioteca.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O marketing da pesquisa de marketing

Uma das características do marketing atual é a ênfase que as empresas dão ao desenvolvimento de novos produtos para atender as demandas dos consumidores e fazer frente aos seus competidores. Não constituí novidade nenhuma que o mercado consumidor adquiriu o gosto pelos sucessivos lançamentos de novidades em prazos cada vez menores. Automóveis, celulares, equipamentos eletrônicos de todo tipo, a moda entre outros mercados impuseram um ritmo de inovação jamais visto. Isto implica dizer que o ciclo de vida dos produtos ficou mais curto. Novos produtos são lançados em rápida sucessão e os anteriores são repaginados e relançados ou, simplesmente, desaparecem das prateleiras.

Se a constatação que segue acima parece obvia demais quando se trata de produtos de consumo, ela apresenta problemas difíceis de lidar quando a mesma lógica é aplicada ao mercado de consultoria em geral e de pesquisa em particular. Isto ocorre, principalmente, por que a metodologia científica não muda segundo as tendências de cores para a próxima estação outono-inverno. Tampouco a presença de um novo dispositivo eletrônico muda a essência do trabalho do pesquisador. O método científico tende a ser conservador. Aliás, é assim até para se construir um corpo de conhecimentos que seja comparável. Se o método mudasse a todo o momento não seria possível comparar resultados de um estudo com outro. Andaríamos em círculos permanentemente.

O exemplo dos softwares desenvolvidos para realizar análise qualitativa é ilustrativo. Sem dúvida eles trouxeram novidades e facilidades para os pesquisadores ao simplificar ou mesmo eliminar algumas tarefas repetitivas (busca, identificação e codificação). Mas foi isso mesmo o que ocorreu. O software elimina tarefas repetitivas, já as tarefas mais complexas que cabem ao pesquisador, tais como: o planejamento da análise, a elaboração de hipóteses explicativas e a redação do relatório permanecem a mesma, além do que o pesquisador precisa aprender a lidar com as características e limitações de um determinado software. O que leva tempo.

Ora, o que estou querendo dizer é que o que está no parágrafo acima não funcionaria como argumento de marketing – persuasivo – em favor da pesquisa. Então como resolver o dilema: Embora pesquisa seja uma valiosa ferramenta, ela não apresenta novidades seqüenciais em quantidade que possam ser utilizadas como argumento de propaganda. É justamente aí que começam a surgir modismos forçados e falsas novidades no mercado de pesquisa em geral.

Temas e práticas tradicionais recebem "nova roupagem", uma simples ferramenta de coleta de dados – um questionário, por exemplo – é patenteado e recebe nomes pomposos – "Behavior drive scan II"- ou coisa do gênero. E a "geringonça" é vendida ao respeitável público como sendo a mais nova e revolucionária "metodologia" de pesquisa, capaz de dissecar a alma do consumidor e revelar as motivações mais profundas do apreciador de chicabom®, ou outro produto qualquer.

Não se trata de ser contra utilizar a propaganda como ferramenta do marketing para a pesquisa de mercado, mas defendo que o seu uso seja mais criterioso, empregue argumentos mais técnicos voltados para o profissional da área de pesquisa das empresas. Idealmente, este profissional deveria ser alguém dotado de conhecimentos suficientes para identificar as soluções de pesquisa mais adequados para os problemas da organização. Além do que, ele não deveria sensibilizar-se com argumentos de vendas nem sempre verdadeiros e muitas vezes mal elaborados. Capicce!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

As culturas do consumo


Vale à pena dar atenção à série “As culturas do consumo” que vai ao ar no canal a cabo Management TV (canal 54 Sky - 5ª. feiras às 15h00, 6ª. Feiras às 21h00 e sábados às 16h30).

Cada episódio mostra peculiaridades do comportamento de consumo de alguma cidade ou país do nosso globo num formato aproximado ao do documentário jornalístico. O que torna os programas interessantes é que as informações apresentadas são costuradas com depoimentos de especialistas em consumo, varejo, marketing e publicidade que tem uma percepção bastante apurada daquela sociedade porque pertencem a ela, fazem parte dessas culturas, conhecem profundamente hábitos e padrões de comportamento do grupo em questão.

Um bom exemplo deste “olhar de dentro” pôde ser visto num episódio sobre o consumo no Japão (exibido em 10/01/2008) que foi posicionado como o país que mais consome grifes e produtos de luxo. Não é notícia de primeira mão o fetiche que os objetos de luxo exercem sobre os japoneses, tanto que muitas jovens prostituem-se para conseguir ostentar grifes e objetos de luxo.

Para tentar explicar essa verdadeira obsessão pelo consumo de luxo, uma das especialistas entrevistadas, de origem japonesa e residente no país, arriscou algumas hipóteses interessantes:
  • Somente com o fim da 2ª. Guerra Mundial o mercado japonês abriu-se para o mundo. Os consumidores passaram a se interessar avidamente pelo novo, pelo que vem do ocidente.
  • Existiria entre os japoneses um sentimento de que produtos ocidentais seriam melhores do que o que os feitos no próprio país. Persiste a idéia de que o que vem de fora é superior, especialmente quando se trata de itens de moda, vestuário;
  • Em razão dos preços muito elevados dos imóveis, os japoneses tenderiam a ter pouco acesso a esse tipo de bem, por isso investiriam menos na compra de bens duráveis como eletrodomésticos e mobiliários. De modo compensatório, consumiriam mais objetos de luxo para uso pessoal como roupas e acessórios;
  • Jovens que moram com os pais gastariam cerca de 70% de seus salários para adquirir objetos de grifes famosas. Muitos são colecionadores de marcas e vangloriam-se de possuir “todas” as roupas e acessórios de grifes como Dolce & Gabana, Chanel ou Hermés.
O episódio mostrou ainda a agência (Beacon Communication), especializada em construção de marcas. Para desenvolver suas estratégias de comunicação monta na própria agência ambientes onde donas de casa, adolescentes e outros públicos podem testar produtos e serviços à vontade. Segundo eles, uma maneira de aprofundar a compreensão sobre comportamentos de consumo que tem dado certo.

Mais detalhes sobre a programação Management TV acesse

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Estariam os shopping centers com os dias contados

Segundo o mais recente levantamento coordenado pela Wharton's Jay H. Baker Retailing Initiative e a consultoria de pesquisa The Verde Group há indícios de que o modelo tradicional de shopping center, que tem sido uma referência de local de compra para o consumidor americano, passa por problemas. E precisa de ajustes se quiser sobreviver.
A pesquisa apontou que consumidores em geral estariam cansados da mesmice e da previsibilidade da experiência de compra nos shoppings. Ao que tudo indica os shoppings não estariam dando conta de entregar aos diferentes perfis de consumidores um ambiente instigante:

  • Para 35% dos entrevistados as experiências de consumo têm sido entediantes. Não há nada de novo nos shoppings. Nada muda: “quem viu um shopping viu todos”;
  • Também para 35%, as opções de restaurantes são limitadas;
  • 28% mencionaram que as lojas de um mesmo shopping disponibilizam os mesmos tipos de produtos, além do que os shoppings em geral têm o mesmo mix de lojas;
  • 25% apontaram dificuldades e demora para estacionar seus carros;

Segundo o Prof Stephen Hock, especialista em marketing e varejo da Wharton, a falta de oferta de experiências e descobertas divertidas, ou atrações que chamem e prendam a atenção no ambiente dos shoppings center tem feito com que os consumidores gastem menos tempo nos shoppings, diminuam seus gastos, adotando, conseqüentemente, uma postura mais racional e objetiva nas compras. Hock arrisca uma previsão: após a recessão enfrentada no mercado americano 10% dos shoppings centers estariam condenados a desaparecer se o modelo de negócios não se reciclarem.

Embora sejam dados referentes à realidade americana podemos arriscar que essas previsões poderiam ser aplicadas ao mercado consumidor brasileiro, embora num prazo mais longo. Uma vez que o modelo shopping center no Brasil é mais recente como local de consumo de massa.

Quem tiver interesse em ler o artigo na íntegra clique aqui

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Consumo retrô – uma busca de referências perdidas

Nos últimos anos temos assistido a um interessante e crescente fenômeno da oferta de produtos com design retrô, que incorporam de modo explícito referências a variadas décadas do passado século XX. Não se pode dizer que este fato seja novo, mas sem dúvida a intensidade com que estes produtos estão surgindo, indicam para uma clara tendência do consumo. É possível identificar produtos em diferentes segmentos, tais como: automóveis, eletroeletrônicos, utensílios domésticos, decoração e, naturalmente, na moda. Neste último exemplo, os casos são abundantes talvez até em razão da maneira como os estilos de décadas passadas estão sendo revistos e relançados com graus variados de aceitação do grande público.

O resgate da identidade social perdida

Desenvolvi um caminho analítico que se mostrou produtivo ao procurar compreender o significado cultural do crescente interesse por produtos com visual retrô, vintage ou qualquer outro nome que se dê a esses produtos.

O contexto cultural atual, nas grandes metrópoles ocidentais pode ser descrito como um ambiente onde os valores e os modelos tradicionais que durante muitos anos funcionaram como pólos aglutinadores da vida social estão perdendo força de maneira dramática. Basta citar que durante muitos anos os papéis no casamento – marido e esposa - eram claramente definidos em termos de gênero pela sociedade. Existiam modelos que deveriam ser emulados com pouco ou nenhum espaço para variações e inovações. Marido = provedor e mulher = dona de casa. De modo contrastante, atualmente existe uma pluralidade de possibilidades que podem ser exploradas pelo casal.

Existem casais onde o papel de provedor é compartilhado entre marido e esposa. Em outros casos, a mulher assume o papel de fonte primária de renda e o marido cuida dos filhos. Os papéis sociais admitem, hoje, um grau de variabilidade que seria impensável para homens e mulheres de gerações anteriores.

O custo da maior liberdade de escolha é no entender do sociólogo Zygmunt Bauman (1), um estado de permanente ansiedade. Ao mesmo tempo em que as tradições perderam força como vetor determinante dos comportamentos, aumentou a responsabilidade individual diante da tarefa de escolher quais papéis assumir e assim definir a própria identidade em termos sociais. O mesmo Bauman afirma existir um mal estar na atual fase da modernidade - que ele denomina de Líqüida - em razão das novas tarefas que recaíram sobre as pessoas, no momento em que estas perderam as referências da tradição.

Assim, para fugir do desconforto e da ansiedade elevadas – problemas gerados pelas novas condições culturais - muitos estariam procurando refúgio no consumo de ícones do passado. Seria como que uma tentativa de resgatar as referências de um tempo em que as situações sociais e os papéis eram mais facilmente identificáveis e as escolhas, caso existissem, mais simples. Seria uma tentativa de reparação – via imaginário – ou de encontrar um substituto do passado, representado como uma era de ouro, onde se vivia sem tanta pressão e ansiedade. Porém, ao mesmo tempo se procura preservar a maior liberdade conquistada.

Se este caminho interpretativo se mostrar adequado, podemos esperar pelo surgimento de muitos outros produtos com design retrô nas próximas décadas. Ou, alternativamente, poderemos observar um ressurgimento das tradições em termos gerais e num sentido mais profundo. Alguns analistas acreditam que esta segunda hipótese já estaria ocorrendo de modo inequívoco (2).

(1) Bauman, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Zahar, 2001.
(2) Ver: Edgar Morin entrevista publicada no jornal Le Figaro, em 21 de julho de 2002. Para ler uma tradução clique aqui.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Princípios de Científicidade para a Pesquisa Qualitativa

A discussão acerca do caráter científico ou não da pesquisa qualitativa tende a ser sempre muito acalorada. De um lado, ficam aqueles que defendem a metodologia como sendo o único caminho para se explorar as razões, motivações e intenções dos comportamentos humanos que, de outra forma, não seriam acessadas pela pesquisa científica. No lado oposto ficam os críticos que vêem na abordagem qualitativa mais uma pseudo-metodologia que – na melhor das hipóteses – produziria um corpo de informações subjetivas e, portanto, sem valor científico intrínseco.

Como consultor de pesquisa qualitativa, claro que tenho minhas opiniões favoráveis à abordagem qualitativa, mas não deixo de reconhecer suas fragilidades e, ainda pior, os momentos em que ela é instrumentalizada por interesses particulares – inclusive políticos – que acabam por lançar no esgoto toda informação produzida, que nestes casos não passam de peças de propaganda ou doutrinação. Mas este tema da instrumentalização política fica para outro post. Neste, desejo apontar alguns princípios que devem nortear toda pesquisa – quantitativa ou qualitativa - que pretenda ser merecedora do adjetivo científica.
Em 1942 o sociológo Robert Merton criou um conjunto de princípios de cientificidade, que difundiram-se pela comunidade científica. O acrônimo C-U-D-O-S serve para sintetizar os referidos princípios Mertonianos. Vejamos:

  • Comunalidade – indica que a pesquisa e o conhecimento científico são patrimônios públicos, um bem comum. Decorre daí que não existe essa história de “metodologias proprietárias” em ciência. Quem se pretende pesquisador usa métodos reconhecidos pela comunidade científica. Quem usa metodologias exclusivas faz outra coisa que não ciência - sei lá, shamanismo.
  • Universalidade - este princípio refere-se ao caráter aberto do corpo científico. Qualquer um pode contribuir para a construção do conhecimento científico, desde que respeite as regras da cientificidade.
  • Desinteresse – refere-se à imparcialidade daquele que busca produzir conhecimento científico. De outra forma, o que se faz é política, proselitismo religioso ou pura mistificação. Claro, a neutralidade do saber é sempre um problema. Mas, convenhamos melhor tentar fazer o máximo em termos de imparcialidade do que enfiar o pé na jaca da produção ideológica e ainda tentar levar a fama de científico. Isso não cola. O tempo varre para o lixo toda pesquisa feita por “encomenda” de quem quer que seja.
  • Originalidade – toda pesquisa deve buscar adicionar algo novo ao corpo de conheci-mentos de uma determinada disciplina do saber. De modo geral, as contribuições são pequenas adições, raramente constituem uma ruptura. Não é todo dia que se cria uma teoria da relatividade.
  • Ceticismo (Skepticism em inglês) – todo conhecimento que se pretenda científico deve estar aberto à crítica e refutação. Por isso, a metodologia deve ser reconhecida e aceita. O conhecimento científico tem um caráter provisório, pois aceita a possibilidade de vir a ser superado por novos incrementos no conhecimento.
Os princípios acima apresentados são uma versão modificada dos originalmente criados por Robert Merton.

Referência: Merton, Robert K. The Sociology of Science: Theoretical and Empirical Investigations. Chicago, University of Chicago Press, 1973.

Pesquisa qualitativa - Afinal, do que é que estamos falando?

Uma das maneiras comumente utilizadas para se definir a pesquisa qualitativa é através de sua comparação com a pesquisa quantitativa.

Pesquisas fazem parte de nosso cotidiano. Tenho certeza que você já se deparou com alguma delas que pode ter solicitado escolher um candidato à prefeitura de sua cidade ou avaliar os serviços de uma concessionária de veículos atribuindo notas de 0 a 10. Esses são alguns exemplos de sondagens quantitativas que buscam dados precisos e quantificáveis – quantos eleitores votarão no candidato X e no Y, qual a nota do serviço de oficina da tal concessionária.

A pesquisa qualitativa, por sua vez, não tem a pretensão de quantificar um fenômeno, não utiliza questionários estruturados com alternativas pré-definidas. Sua “matéria-prima” são os diferentes tipos de relatos de experiências vivenciadas por sujeitos ou grupos para que se possa compreender o ponto de vista desses em relação ao objeto de estudo. Por isso utiliza instrumentos de coleta de dados mais flexíveis e menos estruturados se comparados aos questionários quantitativos.

No âmbito do marketing, a pesquisa qualitativa tem sido freqüentemente utilizada para compreender diferentes aspectos do comportamento de consumo. Ou seja, a maneira como um indivíduo ou um grupo age, reage e interage com os objetos de consumo disponíveis em seu ambiente.

Dadas suas características, a abordagem qualitativa permite, por exemplo, investigar em profundidade fenômenos comportamentais que envolvem complexidade e subjetividade. Por exemplo: os motivos que levam um consumidor escolher um determinado supermercado, entender o significado dos cosméticos para mulheres de diferentes culturas e faixas etárias, levantar expectativas para reformular ou desenvolver novos produtos e serviços etc.

70% das compras no varejo são feitas por impulso. Fato ou crença?


Persiste uma crença entre as grandes redes varejistas, fabricantes e, mesmo, alguns institutos de pesquisa de que 60 a 70% das decisões de compra no varejo são tomadas no ponto de venda. Esta pressuposição ganhou grande impulso pelos estudos do psicólogo Paco Underhill (Why we buy?) realizado nos anos 90.

As conseqüências dessa crença para as decisões de marketing são importantes. Onde investir mais: na comunicação do ponto de venda ou em geral? Como organizar o layout da loja para elevar a taxa de compras não planejadas? Etc.

Contudo, um novo e robusto estudo – quantitativo e qualitativo - realizado pelo professor David Bell da Wharton Business School questiona esta tese, classificando-a como “lenda urbana”. Segundo Bell e seus colaboradores as compras por impulso seriam da ordem de 20% e não 70%. Uma tremenda diferença que, certamente, afetaria as decisões de profissionais de marketing tanto de empresas varejistas como de fabricantes.
A pesquisa revelou que certas características (traços) dos compradores tais como: idade, renda e estilo de compra entre outras teriam um efeito muito maior sobre as compras não planejadas do que os estímulos do ambiente da loja. O estudo do professor Bell não afirma que as ações de marketing no ponto de venda são pouco importantes, porém, os varejistas e produtores precisariam rever algumas premissas que têm norteado suas estratégias de comunicação.

O estudo que foi em parte patrocinado por um grande fabricante europeu – vale um picolé de fruta quem adivinhar qual é a empresa – envolveu dados de 2.945 consumidores europeus e norte-americanos, que durante duas semanas compraram em 21 diferentes redes de supermercados, realizaram 18.000 compras de 58 categorias. Após as compras, os participantes respondiam a um pequeno questionário indicando os itens cuja compra havia sido planejada e quais foram por impulso. Posteriormente, em uma fase qualitativa, através de entrevistas em profundidade eram levantados características de estilo de compra e percepções dos consumidores sobre os supermercados onde haviam comprado.

Quem tiver interesse em ler o artigo completo sobre a pesquisa clique neste link . Quem tiver interesse mais aprofundado siga este link para o paper do estudo completo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Apresentação

O objetivo desse blog é apresentar temas relevantes, discussões atuais e polêmicas envolvendo a pesquisa qualitativa aplicada ao marketing. Nele pretendemos expor o conhecimento que adquirimos ao longo de mais de 15 anos de experiência de pesquisa sobre comportamento de consumo e mais de 20 anos de atuação como psicólogos voltados para questões sociais.

Este Blog é um projeto antigo dos consultores e professores Norma L. Soncini e Luiz A. Stevanato, mas “antes tarde do que nunca” estamos dando início a mais esta iniciativa com o objetivo de compartilhar conhecimentos e opiniões com profissionais de todas as áreas interessados em discutir caminhos e os dilemas que a pesquisa qualitativa em geral e da aplicada ao marketing em particular está enfrentando.