segunda-feira, 30 de março de 2009

O consumidor está nú

Estamos cada vez mais vulneráveis. Não é fato novo que informações sobre quem somos, o fazemos, o que consumimos, locais que freqüentamos, documentos pessoais e demais dados de cunho sigiloso circulam livremente e são compartilhados sem cerimônia por empresas com "objetivos mercadológicos".

O Jornalista Erik Larson em seu livro de 1992 "The Naked Consumer – How our lives become public commodities" apresentou um apanhado de estratégias utilizadas por diferentes empresas para acessar o consumidor americano com objetivo de divulgar produtos e serviços. Ele nos conta que no dia seguinte ao nascimento de sua segunda filha recebeu em sua casa um pacote de fraldas da Procter & Gamble. A partir desse evento passou a questionar: como uma empresa conhece e utiliza detalhes tão íntimos de sua vida? Esse evento despertou o seu interesse em investigar os sistemas desenvolvidos por companhias americanas para chegar até os consumidores e nos propõe uma reflexão válida - seria apenas estratégia de negócios ou invasão de privacidade e da liberdade individual?

O resultado destas ações promocionais quando se limitam ao envio de mailing ou amostras de produtos podem ser interessantes do ponto de vista de marketing e costumam ser pouco invasivas para o consumidor. Mas nem sempre nossas informações são utilizadas com parcimônia. É justamente quando os limites da privacidade são largamente ultrapassados e há prejuízo para ambas as partes, empresas e consumidores.

Relato a seguir um caso que ilustra a questão.

Por insistência de uma atendente de caixa da Kalunga, aquela empresa que vende materiais para escritório, aceitei fazer um tal de Cartão Aura. Sabe quando se faz algo mais imbuído da intenção de ajudar do que por interesse próprio? Pois bem, recebi o tal cartão em novembro de 2008, o guardei na gaveta, não o desbloqueei para uso e esqueci totalmente de sua existência. Pois não é que em fevereiro de 2009 chega a minha casa uma fatura referente à compra de um celular na Americanas.com que eu não comprei e, pior ainda, com um cartão que estava bloqueado. Não preciso entrar em maiores detalhes, mas quero deixar registrado que foi um árduo caminho até solucionar o problema da fraude – conseguir cancelar o tal cartão e a referida compra.

O que é realmente alarmante é saber que pessoas de má fé tiveram acesso aos meus dados pessoais, sabe-se lá de que maneira, e que conseguiram driblar os tais "procedimentos de segurança" que, teoricamente, garantiriam o meu sigilo e segurança financeira.

Embora desgastante, consegui reverter o meu prejuízo como consumidora. Mas não posso dizer o mesmo das empresas envolvidas, pois episódios como esse fazem um tremendo estrago na imagem.


terça-feira, 24 de março de 2009

Tendência 1: Como moraremos daqui em diante?

No final de 1999 fomos convidados pela Alternativa Editorial, especializada em publicações dirigidas ao setor moveleiro, para participar de um projeto que tinha como objetivo elaborar um volume especial sobre as tendências de comportamento de consumo no próximo milênio e que foi publicado em abril de 2000 com o nome de "Caminhos do III milênio". Para nós foi uma atividade bastante interessante, pois como pesquisadores e professores tínhamos reunido um conjunto vasto de informações que nos permitiram, naquela ocasião, elaborar 14 tendências sobre hábitos de consumo de produtos e serviços, moradia, relacionamento familiar e social, organização do trabalho, lazer, etc.

Nesses 9 anos retomamos com freqüência esse material para orientar nossas análises como pesquisadores de mercado e constamos que, salvo alguns detalhes tópicos, as tendências que apontamos como possibilidades foram se consolidando. Mas há uma dessas tendências que quero comentar, pois parece estar ocupando um espaço relativamente importante nas mídias e nos discursos do cotidiano: a maneira como moraremos e viveremos em nossas casas.

Em 2000 prognosticamos que – vai aqui o texto na íntegra - "o estilo "houser" deverá aumentar sua influência, ou seja, as pessoas vão se confinar mais ao espaço doméstico. Seja devido à violência urbana, a maior disponibilidade de equipamentos de lazer por preços mais acessíveis ou porque terão mais tempo livre. As pessoas devem transformar suas casas em espaços de lazer e convívio social".

Semana passada o jornal O Estado de São Paulo (Caderno Cidades - 17/03/2009) publicou matéria sobre condomínios que estão sendo criados para serem bairros privativos. Muitos deles estão sendo construídos em grandes terrenos que abrigavam antigas fábricas desativadas e reúnem num mesmo espaço prédios para moradia, escritórios, lojas, dezenas de opções de lazer, garantindo aos futuros moradores qualidade de vida, segurança, conveniência e comodidade. "Tudo no mesmo lugar sem precisar sair de casa". Os tais condomínios "4 em 1" têm sido vendidos com facilidade – o artigo menciona que em 6 meses de anúncio 70% de um empreendimento no bairro do Campo Belo já havia sido vendido. E até 2011 São Paulo ganhará mais 7 conjuntos que unem residência, trabalho, lazer e comércio.

O que parece estar acontecendo é que a nossa sociedade está buscando tais formas de moradia como tentativa de preencher lacunas deixadas pelo Estado que já não dá mais conta de garantir, entre outras coisas, segurança e qualidade de vida aos cidadãos. Decorre daí a busca privada por uma "relativa sensação de segurança", promessa dos condomínios fechados e dos bairros privativos.

Tenho conversado com pessoas que vivem em condomínios fechados e que dizem ter procurado tais locais porque desejavam, principalmente, mais segurança, tranqüilidade e a possibilidade de usufruir do espaço da casa com suas famílias e amigos. A própria forma como se constroem e se organizam os ambientes procura valorizar o convívio, vide as cozinhas e varandas gourmets bem equipadas ou as salas integradas com cozinhas e varandas que são cada vez mais utilizados como argumento de venda dos lançamentos imobiliários.

Isso tudo vem confirmar nosso prognóstico de 2000. CQD.

sábado, 21 de março de 2009

O fim da pesquisa de marketing como nós a conhecemos?


Não sei se estou me sentindo preocupado pelos recentes documentários do History Channel que tratam do apocalipse, do Armagedom e das possíveis relações disso tudo com o calendário Maia que termina em 2012, além das sempre citadas profecias de Nostradamus e dos índios Hopi - ufa! Isso tudo poder ser apenas excesso de imaginação, contudo, parece que o clima de expectativas apocapílticas também chegou à área da pesquisa de marketing, como se pode notar na entrevista recentemente publicada no site Divas Marketing com o diretor da ARF (Advertising Research Foundation) Joel Rubinson. O tema era justamente as profundas mudanças que estariam começando a acontecer na área de pesquisa de marketing em razão da emergência das assim chamadas "mídias sociais" (1). Tais mudanças segundo Rubinson irão transformar a pesquisa de marketing de tal maneira que uma participante de um dos eventos da ARF chegou a dizer que até 2012 - olhe a data de novo - a pesquisa de marketing que conhecemos estaria sobrevivendo apenas com a ajuda de aparelhos. Em outras palavras, estaria moribunda numa UTI qualquer esperando o fim chegar.


Poder para as pessoas

Mas afinal qual o desafio que as mídias sociais apresentam para os anunciantes, publicitários e pesquisadores cujos interesses a ARF representa?

A questão é que até não muito tempo atrás os públicos alvo das estratégias de comunicação (consumidores) eram vistos como passivos, ou quase isso. Mesmo por que existiam poucos canais de comunicação ascendente, isto é, do mercado consumidor para o anunciante. Dentre esses canais, temos os serviços de atendimento ao consumidor (SAC), órgãos de regulamentação dos anunciantes (tipo CONAR) para proteger o público de eventuais abusos representados por propaganda enganosa além, é claro, das áreas de pesquisa de marketing encarregadas de prover as empresas de informações sobre seus mercados, produtos, serviços e, principalmente, sua imagem. Mas, a questão é que esses canais de comunicação ascendentes são controlados pelas próprias empresas e, normalmente, quando o consumidor precisa utilizar desses canais – individualmente ou em grupo - trata direto com as grandes organizações. Uma conversa que podemos chamar de particular – consumidor e empresa – onde raramente os conteúdos, sejam queixas ou sugestões, chegam às mídias de massa.

Ora, com o advento das mídias sociais esse cenário mudou radicalmente. Agora as pessoas dispõem de canais livres para se comunicar e se expressar sobre o que quiserem, inclusive sobre suas experiências de consumo. Podem opinar e interagir com outros consumidores sobre produtos, serviços ou mesmo sobre campanhas publicitárias de modo totalmente independente das empresas, dos publicitários e dos pesquisadores. A tecnologia deu muito mais poder aos consumidores não apenas para se defenderem. Agora eles podem atacar. E isso representa uma ameaça ou um risco para as grandes corporações preocupadas em manter uma imagem positiva junto aos diferentes públicos com que interagem. Ao mesmo tempo em que torna mais vulnerável a posição de publicitários e pesquisadores, que não controlam o conteúdo das mídias sociais e podem de uma hora para outra ver uma fragilidade exposta para o grande público.

Então qual a solução proposta pelos combatentes da Advertising Research Foundation? Tomar a iniciativa de monitorar os conteúdos gerados pelas mídias sociais. Em outras palavras, voltar os esforços de pesquisa para as mídias sociais, que têm como características serem muito rápidas e mutáveis. Para tanto será necessário desenvolver novas abordagens e ferramentas de pesquisa – aguardem vou preparar um post sobre ferramentas analíticas - para coletar dados que sejam relevantes gerados pelas mídias sociais. Além disso, será necessário também desenvolver novas capacidades analíticas para extrair informações dos dados e, mais adiante, gerar conhecimento que poderá alimentar o processo decisório da empresa. Isso tudo, claro, demandará mudanças sistêmicas nas organizações, inclusive alterações na sua cultura, o que se sabe, não é nada fácil.

Além da retórica, alguns fatos...

A difusão da internet e da comunicação móvel via rede celular sem dúvida veio para ficar e os números do relatório IBOPE/NetRatings, relativos ao último trimestre de 2007, comprovam isso. O relatório contabilizou um total de 22 milhões de internautas residências no Brasil. Quando são considerados todos os ambientes de onde se pode acessar a internet – além da residência, trabalho, escolas, lan houses, bibliotecas, telecentros - o número sobe para 40 milhões (2) em uma população de mais de 170 milhões, segundo o último censo do IBGE (3). Outro estudo comparativo de cinco países conduzido pela consultoria Deloitte (4) indica que as pessoas tendem a investir mais de seu tempo na Internet e deixar a televisão de lado. Segundo a pesquisa, no Brasil, os entrevistados declaram gastar 19,3 horas por semana na Internet por razões pessoais e apenas 9,8 horas assistindo TV (para visualizar a tabela abaixo clique sobre ela).
Fonte: Deloitte State of the Media Democracy survey 2009.

Contudo, o mesmo estudo indica, paradoxalmente, que os participantes da pesquisa consideram os anúncios na TV, nas revistas e jornais – ou seja, as mídias mais "tradicionais" – mais atraentes ou impactantes nas suas decisões de compra do que aqueles veiculados online. Existem outros estudos semelhantes e os dados algumas vezes são convergentes, outras vezes não. Porém, não resta dúvida de que a internet está rivalizando com a televisão e dela retira tempo de audiência em maior ou menor proporção dependendo do perfil da população estudada.

Agenda setting

Então, será que podemos deduzir disso tudo que a pesquisa de marketing está com os dias contatos, como deixou claro uma das participantes de um evento promovido pela ARF? Creio que se trata de um pulo no escuro ou, sendo mais direto, de uma conclusão apressada. Não se pode negar a importância conquistada pelas assim chamadas "mídias sociais", tampouco parece prudente deixá-las de lado quando o assunto é pesquisa de marketing. Mas daí a dizer que a pesquisa focada nas mídias sociais irá substituir a pesquisa tradicional vai uma grande distância. Acredito que durante um bom tempo os dois campos de pesquisa (real e o virtual) irão coexistir. Da mesma forma que o comércio online não substituiu as lojas físicas. Na verdade, o comércio via lojas físicas continua a crescer.

Talvez seja a hora de dizer uma incômoda verdade – nem tudo o que se divulga na internet como pesquisa ou opinião profissional está isento de segundas intenções. Não raras vezes a rede é utilizada para criar fatos, gerar boatos e para instituir uma nova agenda ou influir em temas de modo a lhes emprestar importância e legitimidade. As razões que movem os autores dessas "verdades convenientes" e dos "consensos fabricados" nem sempre ficam claras. A essa tática de ação micropolítica os especialistas em comunicação de massa denominam de agenda setting. Talvez seja o caso de acompanhar a discussão sobre a pesquisa das mídias sociais com atenção, mas manter o "desconfiômetro" ligado.

  1. Mídias utilizadas por pessoas comuns e que produz uma grande quantidade de informações utilizando para isso todo tipo de tecnologia disponível - Internet e redes de comunicação móvel - para se comunicar de maneira fácil e direta com outras pessoas com interesses e opiniões semelhantes ou não. Exemplo de mídias sociais - Facebook, Orkut, blogs, grupos de discussão, além do YouTube, Flickr entre outros, aliás muitos outros.
  2. Número de internautas residenciais chega a 22 milhões no Brasil. IDG Now! Publicada em 26 de março de 2008.
  3. Sinopse preliminar do censo de 2000. O próximo censo populacional ocorrerá em 2010.
  4. Deloitte State of the Media Democracy survey 2009. Para acessar uma amostra de 44 páginas do relatório em pdf clique no nome do arquivo.

terça-feira, 17 de março de 2009

Modismos Tradicionais

Acabo de ler a revista Vogue de março que dedica boa parte de suas páginas a apresentar a nova tendência da moda e costumes para o inverno 2009 – um "revival" dos anos 80 com suas ombreiras, calças bag e fusô, cabelos desfiados e espetados, a estética andrógina de David Bowie, as extravagâncias de Grace Jones entre outras pérolas. Tudo indica que a proposta da indústria do vestuário é que a próxima estação seja marcada pelo retorno ou, como preferem os especialistas da área, por uma releitura dessa época. Isso porque a moda está sempre recorrendo ao passado para se reinventar e, ao que parece, essa estratégia tem funcionado para fazer girar a roda do consumo.


O que temos observado nos últimos anos são reedições ou releituras de padrões estéticos do passado (veja post sobre consumo retro) seja no vestuário, mobiliário, veículos, utensílios domésticos e um sem número de produtos usufruídos no cotidiano. Estamos assistimos a conciliação entre a inovação e a tradição. Em outras palavras, podemos dizer que estamos agregando recursos tecnológicos mais avançados para incrementar a fruição de velhos hábitos.

Exemplos são inúmeros no nosso cotidiano, mas tomo como referência desse fenômeno o consumo de café no Brasil. O hábito de beber café, que é uma tradição em nossa sociedade, vem agregando complexidade e sofisticação em seu processo de consumo.

Beber café está na moda. Em casa ou nas cafeterias, os cafés não são mais coados, mas preparados em cafeteiras high tech que controlam a temperatura da água, moem na medida certa grãos diferenciados – as mais variadas espécies dos chamados "cafés gourmets". Os baristas, profissionais especialistas no preparo da bebida, nos servem em xícaras bem feitas em design e materiais especiais para conservar a temperatura do café. O que estamos fazendo é resgatar com novos recursos tecnológicos um ritual que começou com os árabes nas primeiras cafeterias de Meca – os Kaveh Kanes - pontos de encontro luxuosos e agradáveis onde se podia usufruir da companhia de amigos, fazer negócios, ouvir música e beber café.

Mas o que poderia explicar o resgate de referências estéticas e de conduta do passado para atualizar hábitos de consumo?

Gilles Lipovetsky (1), sociólogo francês que estuda o fenômeno da moda e suas manifestações, acredita que as sociedades ocidentais passaram a cultuar as novidades em detrimento das tradições venerando a mudança e valorizando tudo o que é presente. Para ele as tradições no passado eram adotadas por obrigação, para manter um sentido de coletividade e unidade de valores. No período atual, Pós-Moderno segundo o autor, o individual prevaleceria sobre o coletivo. Não haveria mais a necessidade de se perpetuar costumes, pois teríamos conquistado a liberdade para decidir o que desejamos ser, fazer e querer. Assim, o passado nos serviria apenas como uma referência para novas condutas.

Particularmente acredito mais na força e na permanência das tradições e rituais sociais do que no imperativo das novidades. Talvez o momento atual possa estar orientado para um aparente desprendimento do que é tradicional, mas compartilho da visão de Gabriel de Tarde (2), outro sociólogo francês, para quem o elemento tradicional seria sempre preponderante aos ímpetos da moda e das inovações.


Talvez por isso persistam os hábitos de beber café como faziam os árabes, mas agora com xícaras com design mais elaborado, as confrarias de vinhos abertos agora com saca-rolhas a pilhas, os casamentos com direito a vestidos brancos e toda a parafernália ritual.

O que a moda nos sugere são formas passageiras de usufruir uma tradição, mas as novidades não têm força para se sobrepor aos conteúdos tradicionais. Por isso entendo que os modismos são frágeis e efêmeros enquanto os costumes têm uma natureza mais permanente. Defendo a idéia de que quando resgatamos e repaginamos antigos hábitos de consumo e formas de agir com os ares da inovação o fazemos numa tentativa de preservar um eixo, algo que nos sirva de referência e nos permita preservar nossa identidade cultural.


(1) Lipovetsky, Gilles O império do efêmero - a moda e seu destino nas sociedades modernas. S. Paulo, Cia das Letras, 1989.

(2) De Tarde, Gabriel Les lois de l'imitation (1890). Texte de la deuxième édition, 1895. Réimpression: Paris: Éditions Kimé, 1993, 428 pages. Para acessar uma coleção de textos do sociólogo Gabriel de Tarde clique aqui