quarta-feira, 29 de abril de 2009

Armadilhas que podem destruir a reputação da pesquisa qualitativa

Pesquisa qualitativa é coisa séria, mas nem sempre é assim compreendida. Persiste uma idéia bastante difundida de que a metodologia qualitativa é "menos séria" ou "inferior" a quantitativa.

O conceito de pesquisa quantitativa como superior ou mais crível que a qualitativa talvez possa ser explicado, em parte, porque esta pressupõe objetividade - mensuração dos fenômenos com instrumentos previamente elaborados, hipóteses claramente especificadas, variáveis definidas e resultados tratados estatisticamente. Por outro lado, a pesquisa qualitativa, de natureza mais subjetiva, não busca medir os eventos estudados, nem os analisa com instrumental estatístico, mas procura entender a realidade de um dado fenômeno a partir da perspectiva das pessoas que o vivenciam e para isso utiliza abordagens e técnicas mais flexíveis.

Tive a oportunidade de ouvir comentários preconceituosos em relação à metodologia qualitativa muitas vezes nos meios acadêmicos e mesmo entre profissionais de pesquisa de mercado. Embora discorde totalmente de tais afirmações, tenho que reconhecer que algumas atitudes e práticas de profissionais de pesquisa estão colaborando para fortalecer e disseminar uma visão distorcida da pesquisa qualitativa aplicada aos estudos de mercado. Por isso, acho importante colocá-las às vistas. Vamos a algumas das que considero as mais relevantes:

  • Pesquisa qualitativa é fácil - basta gostar e ter jeito para conversar com as pessoas. Não é preciso ter uma formação universitária específica, mas gostar de lidar pessoas;
  • Pesquisa qualitativa é barata - a contratação de profissionais sem qualificação atende à lógica da redução de custos. Isso implica na contratação de profissionais cada vez mais jovens e/ou sem experiência que, quando muito, recebem alguma orientação e partem para condução de entrevistas, discussões em grupo ou as chamadas entrevistas etnográficas.
  • Falta de competência analítica – decorre da formação insuficiente ou deficitária do profissional de pesquisa para interpretar discursos e narrativas, o que resulta em relatórios de pesquisa meramente descritivos, muitas vezes contraditórios e não conclusivos;
  • Solução caseira – profissionais das áreas de marketing, pesquisa de mercado e publicidade ou outras se colocam no papel de pesquisadores. Saem às ruas com um roteiro improvisado, gravador ou câmera na mão e, após algumas entrevistas breves, retornam com "insights". Rápido, de baixo custo e achados freqüentemente equivocados.

A persistirem essas práticas, o fim dessa modalidade de pesquisa tem data marcada.

Crise financeira e o surgimento de um novo consumidor – O simplificador

A crise financeira que começou a ganhar dimensões críticas a partir de setembro de 2008 está alterando de modo radical o ambiente dos negócios em praticamente todo o mundo. Com a rápida difusão da crise através de suas ramificações sistêmicas, tudo indica que as alterações nos mercados e no comportamento dos consumidores será profunda e durável. Em períodos de recessão econômica os consumidores tendem a adotar padrões mais conservadores de consumo, evitar excessos de auto-indulgência, além de utilizar critérios mais racionais de compras. Contudo, em crises mais profundas, cujos efeitos se prolongam por períodos de meses ou anos, a tendência é das mudanças no comportamento de consumo assumirem um caráter mais duradouro.

Baseado nessa premissa o professor John Quelch da Harvard Businness School propôs que em razão das alterações no cenário econômico as mudanças de comportamento levariam as pessoas a adotar um novo padrão de consumo que ele denominou de "Simplificadores" (Simplifiers em inglês), que inicialmente se expandiria nas classes mais altas – média alta e alta - e, posteriormente, tenderia a se difundir rapidamente pela sociedade. As 4 características mais salientes desse novo perfil que Quelch descreve seriam:

  • Consciência de que possuem muito mais objetos do que de fato necessitam;
  • Percepção de que o excesso de bens pode ser embaraçoso e, pior ainda, na medida em que a posse de bens categorizados como "de luxo" difundiu-se pela sociedade, os objetos perderam a capacidade de agregar status social (1);
  • Desejar e valorizar mais as experiências do que o simples acúmulo de bens e objetos;
  • Viver bem seria viajar para lugares exóticos (nada de pacote turístico), jantar em restaurantes charmosos de culinária sofisticada, mas nada ostensivos e praticar esportes diferentes. Enfim, fugir do estilo "enricado"(2), muito comum no Brasil de hoje.

O perfil "simplificador" seria oposto ao padrão que caracterizou o consumo da década de 1990 - 2000. Daí a tendência a rejeitar o consumo rotulado como "de luxo" e do que se entende por "estilo de vida dos ricos" – i.e. casas grandes, com muitos cômodos recheados de utensílios domésticos, TVs LCD acima de 50 polegadas, carros do tipo sport utility com motores V6 e V8 e grifes, muitas grifes.

Segundo o professor de Harvard, o estilo "simplificador" deve se desenvolver nos países mais desenvolvidos, que já teriam atingido um certo estágio de desenvolvimento econômico e cultural. Já os países em desenvolvimento seriam o destino alternativo para os fabricantes dos bens e objetos que não teriam mais tanto apelo nos países ricos. Curioso notar como as montadoras estão investindo no Brasil e trazendo para cá modelos que antes chegavam apenas como "importados" e a um preço elevado. Mesmo assim, acredito ser difícil generalizar, uma vez que há já alguns anos segmentos da elite local vem se afastando do consumo de bens ostensivamente de luxo. O crescimento do consumo desses itens estaria se dando em segmentos da classe média alta e entre aqueles agraciados com fortunas recentes.

Para ler o artigo do prof. Quelch na íntegra clique aqui

(1) A elite, desempenhando seu papel de centro emissor de costumes, abandona hábitos que ela mesma ajudou a criar a partir do momento em que esses hábitos tornam-se acessíveis às massas e não oferecem mais diferenciação social nem cultural.

(2) "Enricado" - Neologismo produzido a partir da corruptela do termo enriquecido, de uso comum nas classes mais baixas do Brasil e no discurso de alguns políticos em evidência.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Pesquisa e inovação – o caso do sapato – abridor de garrafas

Dia desses vi um outdoor que me chamou a atenção pelo inusitado do produto anunciado - um sapato masculino que acumulava a função de abridor de garrafas. Trata-se de um lançamento da fabricante de sapatos Francajel.

O que mais atraiu minha curiosidade como especialista em pesquisa de marketing foi o apelo essencialmente kitsch (1) do produto. Pensando mais sobre aquele objeto inusitado, me surgiram as seguintes questões: Teria sido o sapato abridor concebido como resultado de pesquisas? Será que foram identificadas demandas dos consumidores por um calçado com conteúdo tecnológico (convergência de tecnologias)? Ou simplesmente alguém teve um momento criativo extraordinário, algo como uma epifania (2), que revelou um caminho: o sapato abridor.

A história do marketing está repleta de casos de produtos – alimentos, bebidas, cosméticos, veículos, utensílios domésticos, eletroeletrônicos dentre outros - que não alcançaram o sucesso esperado por seus idealizadores, tiveram um desempenho insatisfatório nas vendas e terminaram retirados do mercado.

Muitos desses produtos nasceram na esteira da inovação. Desenvolver novos produtos para suceder os que já estariam em declínio no ciclo de vida é condição vital para empresas se tornarem competitivas e lucrativas. Mas por que alguns produtos alcançam o sucesso e outros não são aceitos pelo público?

As razões que podem explicar a rejeição de novos produtos podem ser as mais variadas, destacando-se especialmente os relacionados às características tangíveis dos mesmos – sabores, aromas, embalagens, características tecnológicas etc. Existem ainda outros fatores que podem contribuir para que novos produtos sejam preteridos pelos consumidores (3):

  1. Muitos lançamentos são percebidos como tendo atributos e benefícios inferiores a produtos existentes da mesma categoria;
  2. Alguns fracassos são justificados devido a processos de comunicação e difusão ineficazes;
  3. Novidades tendem a ser rejeitadas porque denotam uma tentativa de mudar comportamentos e hábitos de consumo já aprendidos. Produtos novos tendem a influenciar o comportamento das pessoas que o adquirem e o utilizam, exigindo abertura para adoção de inovações e, conseqüentemente, uma reconfiguração de hábitos.

Independente dos motivos para a rejeição parece existir um fato muito comum entre produtos que, digmos, não deram certo. Eles chegaram ao mercado sem terem sido submetidos à apreciação prévia do público a quem se destinavam. Ou seja, não foram devidamente pesquisados, testados junto ao público-alvo. Foram simplesmente... Lançados!

A pesquisa de mercado serve justamente para sondar as possibilidades de aceitação ou rejeição de um produto novo, levantar seus aspectos apreciados e os rejeitados pelo público alvo.

Não sei se o sapato – abridor foi ou não testado. Talvez ele até tenha lá seu público, que esteja buscando este tipo de convergência tecnológica. Em todo caso, ele inspirou essa minha reflexão.

(1) kitsch - termo de origem alemã (verkitschen) utilizado para categorizar um objeto de valor estético distorcido e/ou exagerado. Também utilizado para definir objetos que acumulam múltiplas funções.

(2) Epifania é uma súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do significado de algo. O termo é usado nos sentidos filosófico e literal para indicar que alguém "encontrou finalmente a última peça do quebra-cabeças e agora consegue ver a imagem completa" do problema.

(3) Ver Engel, Blackwell & Miniard – Comportamento do Consumidor – 8ª. edição, Livros Técnicos e Científicos Editora S/A, Rio de Janeiro, 1999.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Relacionamento com o consumidor – o que realmente faz a diferença?

Se eu começar a citar os famosos clichês que dão conta de enaltecer a figura do cliente na relação comercial um post será pouco. "Cliente em primeiro lugar", "Cliente satisfeito é cliente fiel" entre outras.

Tem sido recorrente nos discursos de marketing, nas missões das empresas, nos manuais de qualidade e de atendimento ao cliente (SAC) tomar a figura do cliente como um agente definitivo para o sucesso da empresa. Em outras palavras, empresas entendem que não sobrevivem sem clientes. Mas, discursos à parte, só há uma maneira de se conhecer realmente a conduta de uma empresa em relação ao cliente: a experiência.

Recentemente comprei num hipermercado dois bolos light da marca Renata, ambos com validade até setembro de 2009. Abri a primeira embalagem e o bolo estava mofado, a segunda, idem.

Liguei para o SAC da empresa e fui recebida por uma atendente que quis ouvir minha história antes mesmo do inevitável e burocrático preenchimento de cadastro. Como já estive em inúmeras situações como esta, confesso que minha atitude foi de total prevenção. Imaginei que ouviria uma seqüência de argumentos automáticos aprendidos nos treinamentos de atendimento: aguarde nosso retorno, não podemos fazer nada no momento, dirija-se com o produto no local da compra para efetuar a troca etc.

Contrariando as expectativas pessimistas, a atendente conduziu o caso da seguinte maneira:

  1. Pediu para que eu contasse o problema. Ela não pediu informações cadastrais inicialmente;
  2. Disse para eu jogar os bolos no lixo imediatamente e me explicou que mofo pode ser perigoso à saúde e pode contaminar outros alimentos. Fiquei espantada por não ter me pedido para enviar o produto como prova;
  3. Solicitou o número do lote dos produtos para análise técnica;
  4. Confirmou o local da compra para que a empresa mandasse técnicos que fariam uma inspeção das condições de armazenamento do local;
  5. Solicitou meu endereço para enviar, em até 15 dias, dois bolos para repor os danificados.


15 dias depois a empresa Renata/Selmi enviou os bolos bem embalados e acompanhados de uma carta agradecendo minha colaboração e colocando-se à disposição. Além disso, ainda me enviaram como cortesia um pacote de queijo ralado.

Na prática de pesquisa de mercado costumo ouvir com mais freqüência reclamações que elogios sobre a conduta de empresas no atendimento ao cliente. Vejo que o que realmente incomoda os clientes é receber um atendimento indiferenciado,
estereotipado, lento, frio, burocrático, desconfiado a priori e, na maioria das vezes, com um resultado insatisfatório.

Clientes são pessoas e querem ser ouvidos como indivíduos que têm uma história particular com aquele produto ou serviço. Querem trazer as suas perspectivas do problema.

O que faz realmente a diferença é abrir o canal para ouvir o sujeito e não adotar procedimentos padronizados que podem facilitar a operação de atendimento para as empresas, mas não garantem um atendimento de qualidade ao cliente.

A Renata/Selmi, pelo menos nesse episódio, mostrou competência para entender o cliente.