quinta-feira, 14 de maio de 2009

Comprar pesquisa de mercado não é o mesmo que comprar parafusos

As regras que orientam o processo de escolha de produtos tangíveis não são, ou não deveriam ser, as mesmas que se aplicam à escolha de profissionais e empresas prestadoras de serviços. Diferente de produtos, que podem ter suas características físicas ou funcionais objetivamente avaliadas e mensuradas, serviços têm natureza intangível e os critérios que orientam a escolha exigem uma régua bastante diversa.
Serviços são realizados a partir de idéias e conceitos, mesmo que exista uma parte tangível que viabilize a concretização do serviço – o ambiente, materiais impressos e outros itens físicos que tornam palpável a sua execução. Quem os compra ou os consome baseia-se, principalmente, na reputação do prestador de serviço. Em outras palavras, na história construída pela empresa ou profissional e na competência comprovada ao longo do tempo junto dos clientes.
Tem se tornando uma prática recorrente em algumas empresas delegar a escolha de fornecedores de pesquisa de mercado as suas áreas de compras. Tenho tido diversas oportunidades de interagir com profissionais dessa área e pude notar uma postura meramente técnica e estereotipada. Escolhe-se um fornecedor de pesquisa segundo os mesmos critérios utilizados na escolha de um fornecedor de parafusos, automóveis ou outros bens tangíveis.
Entendo a necessidade de procedimentos formais para estruturar o processo de compra, mas como profissional de pesquisa, reconheço a necessidade de uma maior interação com o cliente interno da empresa, pois este é o responsável pelo levantamento da necessidade de um estudo de mercado, conhece o problema de pesquisa, tem um histórico de pesquisas anteriores e pode participar mais efetivamente no processo de construção de uma proposta de pesquisa que realmente atenda suas necessidades.
Elaborar uma proposta de pesquisa de mercado não é fazer uma tabela de preços com previsão de datas para execução e entrega dos serviços. Envolve a escolha da metodologia mais adequada ao problema de pesquisa, delineamento amostral coerente ao problema e ao método e outros aspectos técnicos que demandam profissionais especializados para tanto. Nessa etapa é primordial o trabalho conjunto do prestador de serviços com o principal interlocutor da empresa cliente que é o solicitante do estudo.
Nos contatos que tenho feito os profissionais de compras parecem estar funcionando como uma barreira ao contato com a área solicitante. Freqüentemente ocupam a posição de decisores, mas não parecem preparados tecnicamente para solucionar dúvidas ou elucidar questões que são, muitas vezes, cruciais para o esboço de uma proposta. Além do que, muitos compradores explicitam que o principal critério para escolha do fornecedor é o preço ou, usando o jargão comum da área, “a melhor proposta”.
Preço não parece ser o melhor critério de escolha para serviços: o barato pode sair muito caro.
Minha preocupação reside no fato de que muitas vezes a pesquisa de mercado pode cair em descrédito e ser vista com maus olhos justamente porque são compradas por profissionais que não tem preparo para escolher o fornecedor mais bem preparado.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Quando a publicidade reforça os estereótipos

O novo filme das Sandálias Havaianas é mais um bom exemplo de uma peça publicitária que reforça a malandragem e o jeitinho como traços do caráter nacional.
Resumidamente, o filme mostra um grupo cantando e bebendo cervejas alegremente num bar quando uma mulher com traços que poderíamos definir como “tipo intelectual” - camisa, colete, cabelo preso e óculos - pergunta ao grupo como eles conseguem cantar e se divertir quando o mundo está sob os efeitos de uma grave crise econômica. A resposta vem cantada em forma de samba – “tristeza, por favor, vá embora” (lalalá).
Embora a função do filme publicitário seja divulgar um produto – as sandálias aparecem como instrumento de percussão nas mãos do ator Marcos Palmeira - está implícita no texto a promoção de um padrão de conduta que corresponde a antigos estereótipos que fazem parte do imaginário popular e do referencial cultural brasileiro. A atitude do grupo flerta de perto com a malandragem - ser astuto, esperto, levar sempre vantagem sobre pessoas e situações, dar um jeitinho para se livrar de problemas – no caso desse filme, a crise econômica.
O filme das Havaianas utiliza de uma linguagem pretensamente bem humorada para procla-mar que o mais adequado e correto a fazer diante de problemas é cantar. Cantar é a solução para espantar a tristeza; a música funciona como um amuleto que espanta os males para longe. O bom é não pensar em coisas sérias, o legal de ser brasileiro é ter a cabeça fresca, afinal de contas “é só deixar como está para ver como é que fica”, “tudo passa”.
Em contraponto, a mulher que questiona o grupo sobre a necessidade de uma postura de seriedade diante da crise se apresenta como um empecilho para a felicidade, um incômodo a ser banido. Ela é a estranha que não carrega a alma brasileira.
O uso desses estereótipos não é novo na publicidade brasileira. O marco definitivo do “folclore do jeitinho” ficou famoso no anúncio dos cigarros Vila Rica, protagonizado pelo jogador de futebol Gerson anos 70 que entoou a frase: "Você gosta de levar vantagem em tudo, certo?" Se a princípio a campanha publicitária não teve um impacto pejorativo, tornou-se um jargão que virou a chamada “lei de Gerson” para ser utilizado como sinônimo de falta de escrúpulos e ética.
Para a historiadora Maria Izilda Matos essa propaganda “captou um elemento de identificação que estava no imaginário popular. A lei de Gerson funcionou como mais um elemento na definição da identidade nacional e o símbolo mais explícito da nossa ética ou falta de ética". E é exatamente o que o filme das Sandálias Havaianas está fazendo mais uma vez.
Depois não adianta reclamar quando estrangeiros não nos vêem com bons olhos, não nos entendem como pessoas sérias e confiáveis.