quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O fim da pesquisa de marketing como nós a conhecemos 2 (1)

"I have hardly ever known a mathematician who was capable of reasoning"

Platão

Recentes publicações de livros, artigos em revistas acadêmicas e jornais norte-americanos estão preconizando o advento de novas ferramentas de pesquisa baseadas em técnicas estatísticas multivariadas(2) capazes de tratar gigantescas bases de dados e que não apenas substituiriam com vantagens a maneira como se faz pesquisa atualmente, como também seriam capazes de dar aos profissionais de marketing e planejadores sociais a capacidade de prever, isso mesmo, prever o comportamento dos indivíduos e grupos. Para isso "bastaria" adotar toda a parafernália denominada em inglês de "Analytics" (em tradução livre seria algo como ferramentas analíticas) e promover as mudanças nas organizações de modo a ajustá-las às novas ferramentas, incluídas aí mudanças comportamentais e culturais. Fácil, não é mesmo?

Um dos notáveis defensores das novas ferramentas analíticas de competição é o professor Thomas H. Davenport professor do Babson College , na verdade ele é presidente do centro de pesquisa em TI (tecnologia da informação) da instituição que fica a uns 20 km de Boston – MA. Davenport além da vida acadêmica possui uma reconhecida carreira como consultor, segundo seu site informa, ele é listado pela Consulting Magazine entre os 25 mais requisitados consultores do mundo. Ele também foi, na década de 1990, um dos autores e defensores da reengenharia de processos. Na época, a proposta consistia em rever todos os processos organizacionais e eliminar aqueles que não agregassem valor ao produto ou serviço final da organização. Muitas empresas embarcaram em programas de reengenharia promovidos por consultorias. Modo geral, tais programas eram caríssimos, e resultaram em muitos casos em problemas graves. Notadamente, perda de coesão social entre os membros da organização, alterações profundas e negativas no clima organizacional, perda de talentos entre outros. Como resultado, muitas empresas terminaram seu processo de reengenharia em situação bem pior do que aquela que as levou a procurar a reengenharia. Realmente, tudo foi muito positivo, não é mesmo?

Eis que agora, Davenport, em co-autoria com Jeanne G. Harris (3), propõem em seu novo livro Competing on Analytics: The New Science of Winning a reinvenção dos processos decisórios das organizações de modo a baseá-los em "sofisticadas análises de dados" ao invés da simples utilização de softwares de análise estatística. O objetivo é desenvolver e difundir capacidades analíticas e de inteligência por toda a organização. Segundo Davenport, tais capacidades envolverão os processos, as habilidades, bem como a cultura das organizações de modo a conquistar vantagens competitivas. As decisões serão tomadas apenas baseadas em fatos.

Devemos reconhecer que, desta vez, o próprio Davenport não esconde o grau de dificuldade que sua proposta oferece às empresas que se interessarem por esse processo que promete nada menos que o poder da previsão do comportamento tanto dos consumidores como dos funcionários. Como ele mesmo afirma na página 107 e 108: "A esmagadora maioria das organizações não têm capacidade analítica elaborada nem tampouco um plano detalhado para desenvolvê-la... mudar processos de negócios e comportamentos de funcionários é sempre a parte mais difícil e demandante de tempo de qualquer mudança organizacional mais abrangente".

Não se trata de dizer que não estou apostando uma banana na proposta de Davenport. Mesmo por que ele conhece muito sobre TI e inteligência de negócios. Mas, sempre que escuto as promessas feitas por consultores acerca das maravilhas previstas em projetos deste tipo com seus resultados "impactantes" etc. penso nisso tudo como uma peça de retórica, onde fica difícil divisar o que de fato é exeqüível e o que é só promessa exagerada.

Particularmente me incomoda a parte da previsão do comportamento. Isso cheira a ficção política do tipo Admirável Mundo Novo (Huxley) e 1984 (Orwell). É assustador, mas tem muito de fantasioso. Técnicas multivariadas robustas têm sido utilizadas de modo intensivo em áreas de pesquisa pura e mesmo aplicada, como é o caso da metereologia. Empiricamente sabemos que o poder de previsão dos metereologistas é limitado. Então, por que haveria de ser diferente com o comportamento dos consumidores? Isso me lembra meu professor de técnicas de análise multivariada do doutorado que fazia uma observação jocosa onde ele dizia: A estatística é uma ciência maravilhosa. São os dados que atrapalham.


(1) Clique aqui para ver post anterior que contém a primeira parte do tema.

(2) Para uma definição abrangente e uma descrição detalhada de tais técnicas estatísticas ver: Hair, J. et al – Multivariate Data Analysis. New Jersey, Prentice Hall, 1998.

(3) Jeanne G. Harris é uma executiva senior e diretora de pesquisa da Accenture.