quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Pré-teste de propaganda não é despesa é investimento

Publicitários e pesquisas sempre me pareceram entidades incompatíveis. Não foram poucas as ocasiões em que ouvi profissionais de criação de renomadas agências de publicidade fazer descaso ou simplesmente desqualificar a pesquisa de mercado, justificando que os resultados desta podem “atrapalhar o processo criativo” ou ainda afirmarem que “pesquisa requer muito dinheiro, prefiro observar as pessoas e tirar minhas próprias conclusões” e mais, “eu não preciso fazer pesquisa para saber que as pessoas gostam de pastel” – Esta última mereceria o troféu Ig-Nobel.

A situação tende a se tornar ainda mais tensa quando uma empresa cliente solicita que se faça um pré-teste de propaganda para avaliar opções de caminhos criativos para a comunicação de um produto ou serviço junto ao público-alvo.

Um dos primeiros trabalhos que realizei como pesquisadora qualitativa consistiu de um pré-teste de uma campanha publicitária que havia sido desenvolvida para uma marca de refrigerante internacional. O objetivo era avaliar algumas versões d
e um filme publicitário que já havia sido exibido nos Estados Unidos e alguns países da Europa para verificar se poderiam ser exibidos no Brasil e outros países latino americanos. Os filmes eram protagonizados por três atores do Blue Man Group (site oficial) que faziam sucesso no início dos anos 1990 nos Estados Unidos e entre aqueles poucos viajantes que incluíam em seus roteiros idas aos shows da Brodway, mas que eram totalmente desconhecidos no Brasil. Hoje, o trio Blue Man pode ser visto protagonizando os anúncios da TIM.

Para tornar curta uma história longa, os filmes com o Blue Man Group foram rejeitados pelos adolescentes que os assistiram, principalmente porque os personagens desconhecidos despertaram mais repulsa que empatia nos sujeitos da pesquisa. Os criativos da agência americana ficaram indignados justificando que tinham desenvolvido uma argumentação criativa e inusitada para promover o produto. O cliente, orientado para a gestão do negócio, decidiu não exibir os filmes aqui no Brasil. A solução recomendada: uma pesquisa para levantar possíveis personagens que poderiam agradar os jovens brasileiros.

Acabo de concluir uma pesquisa com médicos para testar possibilidades de anúncios para um novo medicamento e mais uma vez constatei a importância de se submeter uma campanha publicitária a avaliação do público-alvo. O sigilo me limita a relatar que foram testados 4 anúncios para divulgar o medicamento: dois deles foram desenvolvidos com apelos racionais mais evidentes, apresentando o medicamento como um recurso ou ferramenta para que o médico pudesse tratar seus pacientes. Outras duas versões, com apelos mais evidentemente emocionais, argumentavam para os benefícios que o medicamento traria ao paciente. Esse pré-teste já havia sido conduzido nos Estados Unidos, alguns países da Europa e da Ásia. Quando terminamos o pré-teste tivemos como resultado uma clara tendência dos médicos brasileiros preferirem os anúncios com argumentação emocional. Diferente dos outros países, especialmente na Ásia, onde a preferência tendeu para os anúncios com apelo mais racional.

Acredito que com base nos resultados obtidos ajustes serão efetuados para que se divulgue o produto levando em consideração as referências de cada localidade.
Os resultados apresentados acima mostram que o pré-teste de materiais de comunicação pode trazer benefícios, na medida em que os resultados podem subsidiar o desenvolvimento de argumentos mais ajustados às referências e valores de grupos de consumidores, além do que ao se falar mais diretamente com o público-alvo, pode-se captar a atenção e despertar interesses de maneira mais eficaz, bem como estreitar vínculos com produtos e marcas.

Adaptações regionais na comunicação certamente envolvem gastos financeiros e afetivos para profissionais de criação publicitária, mas se comprovam necessárias. Defender a tese de que “vivemos num mundo de referências globalizadas” pode ser algo falacioso. Pessoas podem se conectar via Facebook, Twitter e outras redes sociais, mas diferenças culturais existem, hábitos locais permanecem e distinguem grupamentos humanos desde sempre e assim continuará a ser.