sábado, 15 de agosto de 2009

A tirania do MS PowerPoint® – Usos e abusos da tecnologia 2

(Ler primeiro o post anterior)

Em outro estudo de caráter mais empírico conduzido por dois professores(1) da Delft University of Technology da Holanda revelou que os alunos, ao menos os Holandeses, tendem a preferir apresentações mais simples ao invés daquelas que empregam layouts carregados de cores, muitos efeitos visuais e de transição. Contudo, de acordo com os autores é necessário ler os resultados com parcimônia, uma vez que dizem respeito a alunos holandeses que, como destacam os autores, alunos não são especialistas em comunicação. Mesmo assim os achados gerais do estudo merecem, ao menos, reflexão. Os resultados indicam que de maneira geral os alunos preferem:

  • Apresentações em PowerPoint mais do que as antigas transparências de acetato;
  • Slides de texto (bullets) que apresentam uma linha por vez sem efeitos mirabolantes no texto;
  • Tabelas mostradas de uma única vez;
  • Slides com visual "clean", isto é, sem poluição visual;
  • Layout padronizado e simples;
  • Imagens e gráficos para ilustrar idéias;
  • Apresentadores que saibam operar o software e que...
  • Utilizam de gestos para apontar para os slides, não objetos ou laser pointers.

Os estudo também identificou aspectos que não são apreciados em apresentações e que seria melhor evitar:

  • Utilizar som (clip de audio);
  • Efeitos de transição ou animação em excesso;
  • Grande variedade de cores;
  • Background carregado com cores fortes e/ou imagens;
  • Apresentador que lê o texto dos slides ao invés de comentá-los e que...
  • Atua como um auxiliar de palco (stagehand) da apresentação, permanecendo no escuro;

Apesar da grande diferença entre os dois materiais aqui comentados – neste post e no anterior - é possível identificar uma orientação geral nos estudos. Ambos sugerem que as apresentações geradas pelo PowerPoint são desejáveis e eficientes, desde que as apresentações sejam ferramentas de suporte para um apresentador capacitado que utilize o PowerPoint de modo criativo, valorizando a interação e um diálogo instigante com a audiência. Utilizando os termos do professor Yiannis Gabriel, uma utilização paragramática (criativa e descontinua) do software é desejável e capaz de atrair a atenção ao mesmo tempo em que abre a possibilidade de aprendizagem de maneiras imprevistas. Já o uso programático, isto é, linear e repetitivo do software tende a gerar apresentações mais desinteressante e aborrecidas do que atrair a atenção, gerar participação e aprendizagem.

(1) Blokzijl, W. e Naeff, R. The Instructor as Stagehand: Dutch Student Responses to PowerPoint. Business Communication Quarterly, Volume 67, Number 1, March 2004.

A tirania do MS PowerPoint® – Usos e abusos da tecnologia 1

Indagar sobre os possíveis abusos do PowerPoint e suas conseqüências negativas para o desenvolvimento do intelecto pode parecer quase uma heresia nos tempos que correm, dada a onipresença das apresentações de relatórios de pesquisa geradas por softwares de apresentação, dentre os quais o PowerPoint é o principal representante (1). É fato no mundo dos negócios que praticamente todo relatório, proposta ou mesmo aula em escolas de Administração contenham em algum momento uma apresentação em PowerPoint. Mas será que alguém procurou investigar a eficiência dessa tecnologia e seus impactos na audiência e na forma em que os conteúdos são gerados? A resposta é: sim já existem pesquisas empíricas sobre o tema, embora elas estejam mais voltadas para o universo do ensino e para o mundo acadêmico, ainda assim elas podem nos proporcionar insights valiosos.

Neste post desejo comentar o ensaio do professor Yiannis Gabriel da Royal Holloway University of London, cujo título já deixa antever o tom crítico do material: "Against the Tyranny of PowerPoint: Technology-in-Use and Technology Abuse"(2) (traduzindo livremente: Contra a tirania do PowerPoint: Usos e abusos da tecnologia).

O ensaio parte da seguinte premissa: mais do que automatizar tarefas, aumentar a eficiência e acrescentar estilo na preparação de relatórios, apresentações e aulas, o PowerPoint – como representante de tecnologias de informatização – funciona como um artefato cultural capaz de redesenhar a própria tarefa e seus objetivos, introduzindo mudanças na maneira de pensar, construir conhecimento, compartilhar informações e de interagir. Partindo de experiências pessoais o professor Yiannis analisa os usos e eventuais resultados adversos que a aplicação do software pode acarretar tanto para a audiência como para o apresentador e que incluiriam principalmente 3 aspectos:

  • Fragmentação do conhecimento em marcadores (bullets points) – o que pode levar a uma supersimplificação do conhecimento, à superficialidade analítica e à fragmentação do conhecimento. Como teste, experimente transformar uma apresentação com listas de marcadores em texto corrido. Não raro ficarão evidentes erros de encadeamento lógico, "pulos" na argumentação que demandariam mais etapas e clarificação entre outros;
  • Dependência de suporte visual para acobertar fragilidades de análise – devido aos recursos visuais do software é comum que relatórios superficiais e, até mesmo tolos, venham emoldurados em layouts sofisticados e recheados de imagens chamativas que procuram acobertar aquelas fragilidades com uma "aura" de seriedade e profissionalismo;
  • Linearidade forçada na argumentação - que poderia limitar a capacidade de improvisação, digressão e na criatividade por impor uma maneira estreita de apresentar o material sem abrir espaço para o imprevisto, o diálogo e a novidade.

Yiannis afirma que por vivermos em uma sociedade obcecada pelas imagens e pelo espetáculo, as apresentações em PowerPoint podem ser comparadas com o hábito de assistir TV. Em outras palavras, a audiência de uma apresentação tende a observar e absorver passivamente e sem crítica as imagens e os conteúdos, muitas vezes recheados de mensagens subliminares. Assim, a experiência de consumir informações, relatórios e aulas seria uma extensão da experiência de consumo de shows e programas de televisão. Nas universidades, isto seria uma decorrência do fenômeno da "comercialização da educação superior" que o professor Yiannis jocosamente denomina 'McUniversities' (p. 258).

Indo mais fundo na crítica, outro professor de design de informações - Edward Tufte, da Universidade Yale, chega a acusar o PowerPoint de ser responsável pela estupidificação e aborrecimento das platéias. Tufte em tom de zombaria afirma: "O poder corrompe e o PowerPoint corrompe totalmente".

Usos criativos ou "paragramáticos" da tecnologia

Contudo, Yiannis não concorda com esse tipo de crítica radical e acredita ser possível empregar os softwares de apresentação de maneira a transformar uma palestra ou aula em um evento capaz de eliciar na audiência e no apresentador o desempenho de papéis mais críticos, criativos e ativos o que ele denomina de um uso "paragramático" da tecnologia, que seria um uso menos linear, simplificador ou "programático". De fato, para ele o software tanto pode ser imbecilizante e induzir passividade mental como eliciar o pensamento ativo, crítico e criativo, o que dependeria do uso ou da maneira como a tecnologia é empregada.

(1) Segundo o site PC Advisor, em 2003 as vendas do PowerPoint sozinho superaram 1 bilhão de dolares. Naquela época o PowerPoint era utilizado por mais de 500 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo e, segundo estimativas, mais de 30 milhões de apresentações preparadas no PowerPoint eram realizadas todos os dias.

(2) Gabriel, Yiannis. Against the Tyranny of PowerPoint: Technology-in-Use and Technology Abuse. Organization Studies 29(02): 255–276, 2008, SAGE Publications.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Vitrines fora de foco

Retomo meus escritos depois de um período de intenso trabalho e pouco tempo para o blog, infelizmente. Idéias não me faltaram, mas existem períodos que precisamos nos dedicar quase que integralmente ao trabalho. Quem atua na área de pesquisa de mercado sabe do que falo. Uma imersão completa nos achados que vão sendo depurados, destrinchados e estruturados num pensamento analítico que, mais adiante, resulta no relatório final de pesquisa. Leva tempo. Mas nem mesmo em meio às exigências do trabalho deixo meu olhar curioso ao redor. Isso me alimenta. Uma passada rápida num shopping center e volto cheia de idéias. O ser humano em situação de consumo é um grande espetáculo, um objeto de estudo que sempre se atualiza.

Numa dessas imersões observei um fenômeno interessante. O que vi em termos de vestuário nas vitrines não correspondia exatamente ao que via sendo usado pelas pessoas, especialmente os sapatos calçados pelas mulheres.

Enquanto as vitrines das lojas apresentavam um estilo de sapatos – sapatilhas de bicos redondos, os tais "peep toes" com saltos grossos – pude ver um estilo diferente nos pés de muitas das transeuntes – bicos mais finos e saltos mais altos.

Estaria havendo um descompasso entre o que é oferecido e o que é usado? O que as mulheres estão usando é uma moda defasada, item da coleção passada? Ou poderia significar uma resistência, ainda que ingênua, de um grupo de consumidoras que não se rende aos ditames da moda?

Fato é que no mesmo dia entrei numa loja que anunciou recentemente em seu site um modelo de sapato que eles rotularam como sendo "retrô", bem diferente do que seria a proposta mais recorrente nas vitrines atuais. Perguntei pelo referido modelo e a vendedora me informou que não tinha mais. Disse, ainda, que tinham chegado poucos daqueles sapatos e que esses haviam sido vendidos muito rapidamente. E para minha decepção, não viriam mais para reposição.

A vendedora, na tentativa de efetuar uma venda, apresentou-me outros modelos, estes sim, mais ao estilo da moda atual.

Pergunto: se esse modelo de sapato teve uma aceitação tão evidente, por que não está mais à disposição?

Afinal, qual é a lógica da indústria da moda, entender o que quer o consumidor e produzir algo que venha de encontro aos interesses e desejos ou "criar" produtos a partir de alguma idiossincrasia e impô-lo ao mercado?

Fica a dúvida no ar...