quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Como o natal afeta nosso comportamento social

Está chagando aquela época do ano em que a maioria das pessoas envolvem-se em algum tipo de reunião familiar, seja para comemorar o natal – se forem cristãos – ou simplesmente para celebrar o final de mais um ano.

As raízes desse comportamento remontam a um passado remoto, na verdade, às origens da nossa civilização. Engana-se quem imagina que o natal seja uma criação dos cristãos e que dataria de uns 2 mil anos para cá. A data tem origem pagã e está relacionada ao solstício de inverno no hemisfério norte – a noite mais longa do ano - e, possivelmente, seria uma data para celebrar a esperança dos povos pré-cristãos de que o sol – simbolizando uma divindade de caráter fecundo, criador e regenerador etc. - voltaria a brilhar com intensidade após o longo, escuro e frio inverno. Pensando em povos cuja sobrevivência dependia do cultivo da terra, fica fácil compreender a razão de tal apreensão. E a religião com suas crenças, símbolos e cerimônias ajudavam aos homens pré-cristãos a dar significado ao evento – inverno – e suas consequências, tornando o mundo mais compreensível e as vicissitudes mais suportáveis.

O que vai acima é a antítese de nossa sociedade atual. Nossa relação com a natureza e a vida em geral passou a ser predominanatemente racional e pragmática. Nós não comemoramos solstícios, nem equinócios e mesmo a religião cristã mudou de forma acentuada a maneira de atribuir significado aos eventos da vida quando comparada à míriade de crenças pagãs. Se, ainda, levarmos em conta que mesmo dentre os que se auto-declaram cristãos muitos têm uma adesão mais ou menos superficial ao conjunto de crenças e valores religiosos, chegamos ao foco deste post – os eventos e comemorações de natal permanecem presentes em nossa vida moderna, porém, para a grande maioria, destituídos de significados trascendentes. Para muitos é mais uma data para presentear e ser presenteado. Em outras palavras consumir, consumir, consumir(1).

Tal estado de coisas tende a criar situações de convívio social e familiar, não raras vezes, constrangedoras. Seja com a nossa própria família ou com grupos de amigos e familiares de outras pessoas. A ausência de valores e projetos em comum ou, pior ainda, a falta de um conjunto de significados compartilhados sobre a vida tende a tornar o convívio potencialmente mais conflitivo e desprazeiroso.

5 Dicas bem humoradas e cínicas

Valendo-se disso, o site Jezebel.com elaborou um pequeno texto bem humorado e cínico com 5 dicas sobre como se portar em festas familiares. Vale a pena ler o texto que está em inglês no site mas, para não deixá-los na mão, segue um resumo com as dicas para o jantar de Natal:

1 - Não fale muito sobre você mesmo. Procure ouvir mais e falar menos que os outros. Aliás, mesmo que alguém insista em chamar-lhe pelo nome errado, deixe para lá.

2 - Não tente elaborar um menu de natal muito diferente, novo ou trabalhoso. Lembre-se de que, em geral, as pessoas têm gosto gastronômico bastante previsível. Isto é: Natal = tender, ou no máximo alguma outra carne assada. Mesmo que você more em um país tropical e à noite a temperatura esteja em 28 graus.

3 - Concorde com tudo o que for dito. Bons relacionamentos podem terminar por conflitos de opinião, geralmente sobre temas supérfluos. Agora, se a relação já não era nada disso mesmo, porque se importar em discutir?

4 - Selecione entretenimento – música, filmes, brincadeiras - inofensivos. O papel de quem ajuda a organizar um jantar em família não é agradar a si mesmo, mas procurar aquilo que tem a menor probabilidade de desagradar quem quer que seja.

5 - Não discuta temas polêmicos como o último caso de corrupção política que veio à tona, ou as próximas eleições.

As dicas apresentadas em tom de "brincadeira" pela jornalista Anna North do site Jezebel, revelam as dificuldades que os relacionamentos modernos encontram ao procurarem reproduzir formas de convívio mais tradicionais. Não estou dizendo que se deva abandonar uma tradição apenas porque ela não mais se ajuste aos padrões e expectativas de vida atual. Como psicólogo social e analista de comportamento, o que chama minha atenção é o fato de que mesmo quando pretendemos ser modernos, sentimos falta de alguma coisa que, antes, havia no mundo das relações tradicionais. Essa reminiscência do passado tradicional não foi eliminada pelo modo de vida da modernidade, nem por toda a sua propaganda e ideologia(2). O discurso do triunfo da razão e do pragmatimo pode ser apenas uma tentativa de acobertar necessidades ancestrais de nos confraternizar e darmos sentidos mais transcentes para a vida.

De qualquer forma, bom Natal.

(1) A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) prevê um aumento de 11% nas vendas para o Natal deste ano, em relação ao mesmo período de 2008 [link].

(2) Para um aprofundamento da questão da modernidade e suas relações conturbadas com a tradição ver: Giddens, A. As Consequências da Modernidade. S. Paulo, ed. Unesp, 1990.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Personagens infantis - O fascínio dos clássicos

Produtos dirigidos ao consumidor infantil se multiplicam em diferentes categorias e tendem a ganhar mais atenção desse público quando associados a personagens de histórias infantis, cartoons, filmes etc. A importância dos personagens parece ser definitiva, tanto que produtos que utilizam personagens famosos em suas embalagens tendem a vender 20% a mais do que similares sem esse estímulo, o que estaria estimulando a ampliação de licenciamentos de personagens por empresas de vários segmentos no ano de 2009 (*).

Pesquisas de Mercado

Em 2005 conduzimos uma pesquisa qualitativa com crianças entre 6 e 10 anos e mães dessa mesma faixa etária com o objetivo de avaliar significados associados a diversos personagens infantis e identificar aqueles potencialmente atraentes para ilustrar embalagens de alimentos e produtos de higiene pessoal da empresa cliente. Entre os achados pudemos compreender que o poder de atração de um personagem depende de um conjunto de fatores mas, especialmente, de sua exposição na mídia e de uma temática que consiga gerar empatia e identificação com o público infantil. Vimos também que personagens atuais tendem a dominar claramente o interesse das crianças porque estão em evidência em diversos espaços num nível muito superior aos personagens clássicos. Mas o surpreen
dente é que alguns clássicos, mesmo que não tenham sido colocados como opção, foram mencionados espontaneamente por crianças e mães como sendo atraentes de forma atemporal. Foram eles “Homem Aranha”, mencionado pelos meninos e “Barbie” pelas meninas.
Quatro anos depois (outubro de 2009) empreendemos um novo estudo com objetivos assemelhados e cujos achados corroboraram a tese de que as novidades atraem, mas os personagens clássicos – “Homem Aranha” e “Barbie” - permanecem de maneira mais consistente no referencial de crianças.
E o que poderia explicar o fascínio e a permanência do interesse por esses ícones?

Homem Aranha e a remissão da fraqueza

“Homem Aranha” reúne características
que geram identificação positiva entre os meninos.
No plano tangível poderíamos dizer que as cores chamativas de sua fantasia - azul e o vermelho – correspondem justamente as usualmente preferidas por meninos de diferentes faixas etárias.

Mas são os significados subjacentes que mais importam. Ele é um dos super-heróis mais humanizados das HQs. Peter Parker é um garoto típico que se percebe como frágil e impotente diante do mundo. De repente transforma-
se num super-herói que reúne uma série de traços arquetípicos - força, coragem, regeneração, justiça, moral e abnegação que correspondem justamente aos anseios dos meninos em fase de desenvolvimento. Cultuar e consumir esse personagem possibilitaria aos meninos uma espécie de catarse: enquanto se identificam com o personagem, compartilham suas emoções e sentem-se mais poderosos, aliviando-se dos sentimentos de impotência e inferioridade. No jogo lúdico, HomemAranha os ajuda a construir o caráter masculino.

Barbie e o exercício da feminilidade

Bárbie já é avó, é odiada por feministas, mas fascina meninas em todo o mundo. Além de carregar consigo as cores preferidas das meninas – rosa, pink, lilás – ela possibilita porque exala atributos femininos e permite o exercício lúdico da feminilidade. Para além de sua beleza física, elegância e glamour a personagem teve a capacidade
de incorporar ao longo das décadas novas características femininas – ser bonita, mas também ativa, profissional e companheira. Barbie gera identificação com meninas que exercitam nas brincadeiras suas possibilidades futuras como mulheres. Ela não representa apenas um ideal de beleza que se perpetua a décadas, mas uma mulher sempre em evolução. Como descreve o Prof. Sérgio Spritzer do Instituto de Psicologia da UFRGS (**): "A Barbie representa os ideais de atitude e aparência de mais de uma geração. Eu diria que ela ajudou a consolidar os sonhos de várias gerações".
Talvez o sucesso e a atualidade desses personagens justifique-se porque seus idealizadores conseguiram reunir em cada um deles a essência do masculino e do feminino como nenhum outro conseguiu com igual competência.

(*)http://blogs.abril.com.br/marketinginfantil/2009/01/produto-licenciado-nova-aposta-varejo.html

(**)http://www.exclusivo.com.br/?noticias/57259/%C0+imagem+e+semelhan%E7a+da+Barbie.eol