sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O efeito do sobrenome nas decisões de compra


O que faz pessoas enfrentarem longas filas para serem os primeiros a garantir o ingresso de um show ou um novo  iPad?

Perguntas como esta podem parecer pouco importantes e até insignificantes a primeira vista, mas costumam intrigar e a mover pesquisadores sociais na busca  de explicações plausíveis para tais comportamentos. Foi justamente a partir da questão acima que os professores Kurt A. Carlson da Georgetown University e Jacqueline M. Conard da Belmont University empreenderam um estudo, recentemente publicado no Journal Of Consumer Research (*), cujos resultados são, no mínimo, curiosos.


Após conduzirem uma série de experimentos, concluíram que pessoas com sobrenomes que se iniciam por letras mais próximas do fim do alfabeto tenderão a tomar decisões de compra mais rápidas do que aquelas cujas letras do último nome estão mais próximas do início do alfabeto. Em outras palavras, quanto mais próximo seu sobrenome estiver da letra “Z”, mais rápido você tenderá a ser no momento de escolher o que vai comprar. A pesquisa consistiu em estudar o quão rápidos consumidores adultos respondem a oportunidades de adquirirem algum item de valor significativo para eles. Em um dos experimentos os pesquisadores enviaram por e-mail convites grátis para um jogo de basquete para 1.200 estudantes de cursos de MBA. Como os ingressos eram limitados, era preciso responder o mais rápido possível nos próximos 22 minutos. Pessoas com sobrenomes entre as letras R e Z responderam mais rapidamente do que aquelas cujos sobrenomes iniciavam com letras de A a I. Chegaram à conclusão de que quanto mais próximos os sobrenomes obtidos de seus pais quando crianças (e não os nomes adquiridos com o casamento) estiverem do final do alfabeto, mais rápido esses consumidores responderão a oportunidades de compra.

Os pesquisadores partiram da premissa de que crianças americanas em fase escolar com sobrenomes próximos a letra Z tendem a serem as últimas da fila ou a se sentarem no fundo da classe. Freqüentemente esperam mais tempo para receber atenção de um professor ou ficam por último para escolher um doce na fila da lanchonete da escola. Assim, quando o sobrenome é um fator de ordenação, as crianças com sobrenomes mais próximos às letras do fim do alfabeto tendem a ser mais rápidas quando surge a oportunidade de fazer uma escolha, como forma de superar o sentimento de perda ou desprivilegio. Então, quando adultos tenderiam a se tornar consumidores que tomariam decisões de compra mais rápidas, como forma de superar o sentimento de desvantagem que experimentaram quando estiveram em situações onde o sobrenome as colocava em últimas posições. Desta forma, procurariam rapidamente se colocar como “os primeiros da fila”.  Por outro lado, crianças cujos sobrenomes se iniciam pelas primeiras letras do alfabeto já estariam acostumadas a serem as primeiras e, quando adultos, não se preocupariam em serem as primeiras e deixariam para comprar depois, sem pressa, um item que as interesse.

O efeito do sobrenome, segundo os autores, seria importante para varejistas e profissionais de vendas porque, além do sobrenome dos consumidores ser uma informação fácil de ser obtida pelos profissionais de marketing, existem muitas decisões de compra em que o que mais importa não é “o que” e “onde” comprar, mas “quando” comprar e nesses casos a variável tempo pode ser definitiva para o sucesso de uma estratégia de marketing.

A variável “sobrenome” já foi objeto de pesquisa, embora não especialmente no campo do comportamento de consumo. Em 2006 os professores Liran Einav & Leeat Yariv (**) apresentaram um estudo onde descrevem o que chamaram de “discriminação alfabética” na publicação de artigos científicos. Em trabalhos acadêmicos com mais de dois autores os nomes são usualmente ordenados de A para Z. Assim, um autor com sobrenome mais próximo da letra A seria privilegiado em detrimento dos demais, pois seu nome em primeiro lugar tenderia a ser o mais lembrado pelos leitores.

De qualquer forma, estou esperando a oportunidade para fazer uma enquete de sobrenomes quando estiver no inevitável tédio de uma fila e verificar, na prática, se as conclusões de Carlson e Conard fazem sentido.

(*) Kurt A. Carlson and Jacqueline M. Conard. “The Last Name Effect: How Last Name Influences Acquisition Timing.” Journal of Consumer Research: August 2011. Further information: http://ejcr.org.

(**)What's in a Surname? The Effects of Surname Initials on Academic Success - Liran Einav and Leeat Yariv -http://www.hss.caltech.edu/~lyariv/Papers/Einav_Yariv.pdf

sexta-feira, 17 de junho de 2011

A ênfase na classe C e a miopia de marketing

Nos últimos anos tem sido recorrente na imprensa o tema do aumento do consumo da classe média também chamada de classe C, isso quase sempre em tom de otimismo ou até de ufanismo. Apenas para citar um exemplo, no jornal Valor Econômico um artigo afirmou: “Do ponto de vista social é quase uma revolução: foi a ascensão da classe C, transformando-se na nova classe média brasileira. Nos últimos 15 anos essa classe passou de 32% para 52% da população, portanto representa hoje mais de 90 milhões de consumidores...”

Esta versão dos fatos tem sido utilizada pela empresas dos mais variados setores para redesenhar estratégias de negócios de modo a incluir ou mesmo privilegiar os consumidores de classe C como seu principal mercado de atuação. E que se diga claramente, não há problema nenhum em incluir a classe C nas estratégias de marketing. Aliás, o que se espera de bons gestores é que eles saibam identificar boas oportunidades de negócios.

Entretanto, não creio que isso explique tudo o que está em jogo no mercado atualmente. Sim, existem oportunidades de negócios com o aumento do consumo da classe C. Mas, também é verdade que um número crescente de analistas está olhando para esse aumento nos gastos dessa “nova classe média” com cautela e alguns estão corajosamente contrariando o coro dos contentes e alertando para o artificialismo do consumo movido a crédito e não por aumentos na produtividade e competitividade da economia. A bolha do crédito, mais cedo ou mais tarde vai estourar, advertem. Quem tiver interesse em ler mais sobre esse tema clique aqui, aqui e aqui.

Diante do quadro exposto acredito que estamos vivendo uma fase de Miopia Coletiva de Marketing. Aliás, o conceito de Miopia de Marketing foi criado há 50 anos por Theodore Levitt – professor da Havard University - e se tornou um clássico na área. Segundo esse conceito uma cultura míope pavimenta o caminho das empresas para o fracasso, devido à configuração mental que Levitt chamou de “visão de curta distância” e à ilusão de que se está vivendo em um mercado em crescimento. Estas crenças levam à complacência e a perder de vista o que os consumidores desejam. Isto parece descrever com assustadora exatidão o que tem ocorrido no mercado brasileiro nos últimos, digamos, oito ou nove anos.
Comportamento de manada: Otimismo irracional cega para os perigos

Em minha opinião, três fatores estão agindo de modo a turvar e distorcer a percepção de gestores em geral e de marketing em particular, levando-os a focar a classe C como uma panacéia e, ao mesmo tempo, a ignorar as complexidades do mercado brasileiro que se desenvolveu de modo consistente ao longo dos últimos 20 anos. Tal miopia está expondo as empresas aos riscos que se avizinham de modo inequívoco, dadas as fragilidades sistêmicas desse aumento do consumo das classes mais baixas. Vamos analisar cada um desses fatores:

1 - Visão de curto prazo
Na medida em que a “nova classe média” tem pouca experiência com consumo de itens mais elaborados, muitas empresas trabalham com a expectativa de que seria mais fácil vender para esse consumidor que por ser menos experiente tende a ser menos exigente. Isso traria resultados financeiros mais rapidamente e com menos riscos. Ao menos é o que diz a lenda. Isto levaria a uma tendência de olhar mais para os produtos do que para os consumidores e focar os ganhos no curto prazo e não o sucesso no longo prazo. Curiosamente são sintomas como esses que o professor Levitt associa à “miopia de marketing”.

2 - Aversão à segmentação
Em minha experiência como consultor de pesquisa em muitas conversas com executivos de marketing pude notar um desejo difuso de atender a todo e qualquer consumidor, deixando de lado a proposta de valor da empresa e seu público-alvo. Certa feita, um superintendente de uma grande rede de varejo disse: O cliente alvo de minha rede é proveniente das classes A e B, mas eu pretendo atender a todas as classes. Deixando de lado o aparente “bom mocismo” da fala do gestor, o risco está em se perder de vista o foco do negócio, em se deixar levar pelo lugar comum. Com isso, quem perde são as empresas que deixam de atender seu público mais leal e que responde pela maior parte dos resultados. Segmentar os mercados foi uma grande idéia, com ela as empresas puderam identificar diferentes perfis de consumidor e então oferecer produtos e serviços projetados para cada segmento. Com todo esse barulho em torno da propalada “nova classe média” parece que o desejo de muitos profissionais de marketing é o de que a maioria dos consumidores adote um estilo de vida classe C – algo como: churrasco, cerveja, pagode, carro popular etc. O máximo que se vai conseguir com esse tipo de orientação é desagradar a uma boa parte do mercado. Segmentação de mercados exige esforço contínuo e competência – resumindo dá trabalho e parece que muitos estão com uma preguiça bem tropical.

3 - Comportamento de manada
Entendo que a maioria dos empresários, empreendedores e políticos sequer pense detidamente sobre o fenômeno do crescimento da classe C, suas bases reais e conseqüências. Muitos agem simplesmente por se sentirem compelidos a opinar de modo coerente com a maioria, ou pelo menos com aquilo que parece a opinião da maioria. Muitas decisões são tomadas dessa maneira, isto é, de acordo com a “maioria aparente”. Esse fenômeno é chamado de “comportamento de manada” e tem sido estudado por pesquisadores de várias áreas. Os efeitos do comportamento de manada podem ser observados na maneira como os mercados de ações se comportam. Quando há uma tendência de alta – mesmo que irracional, a chamada bolha – a maioria tende a comprar ações que já estão com seus preços lá em cima. O mesmo se dá diante de boatos – maioria sai vendendo tudo o que pode. Essa irracionalidade nas decisões, obviamente, não afeta apenas os gestores de investimentos. Tudo indica que, atualmente, muitos gestores de marketing e empresários estão embarcando na onda da Classe C, movidos por um genuíno comportamento de manada.

O antídoto para esse mal existe, mas demanda constância de propósito e inteligência, dois atributos raros nos tempos que correm.
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terça-feira, 14 de junho de 2011

Como construir uma farsa usando as redes sociais


A blogueira Amina Abdallah Arraf AL-Omari, a cidadã síria de 25 anos que publicava suas opiniões sobre sua sexualidade e sobre política na Síria no blog “A gay in Damascus” não existe. Trata-se de uma farsa.

Amina é uma fabulação de um cidadão americano, Tom MacMaster, estudante na Universidade de Edimburgo, que assumiu a autoria dos textos publicados no blog. Disse ter feito essa “narrativa ficcional” com “a melhor das intenções”, para chamar a atenção das pessoas para a situação da Síria. Desde fevereiro de 2011 ele vinha construindo uma mentira e enganando pessoas ao redor do mundo discorrendo opiniões e fazendo denúncias que mobilizaram a opinião pública.

Usando a persona Amina, o farsante se correspondeu com pessoas no mundo todo, criou comoção e levou blogueiros e ativistas no mundo todo a pedir a libertação de Amina quando seu pretenso primo divulgou na rede que ela teria sido presa por homens ligados ao presidente sírio. Para tornar sua personagem mais real, MacMaster usou fotos do rosto de uma mulher roubadas da página do Facebook de uma profissional de relações públicas. Até jornalistas de grandes veículos colaboraram na divulgação do pretenso seqüestro de Amina. Seus seguidores no Facebook e Twitter trabalharam arduamente para pedir sua libertação, o que fez do seu endereço no Twitter tornar-se um dos mais populares na ocasião.
O caso gerou indignação entre ativistas no Oriente Médio e a “iniciativa“ de MacMaster foi, de fato, um desserviço. Assim como na fábula de Esopo (Cry Wolf), ele agiu como o garoto que gritava que um lobo estava atacando suas ovelhas quando isso não era verdade. Seus gritos eram apenas um alarme falso que passou a não chamar mais a atenção dos aldeões, até o dia em que um lobo de verdade dizimou o rebanho. E de nada adiantaram os gritos de alerta do mentiroso.

Essa história nos alerta para alguns aspectos importantes:
1- Informações que circulam nas redes sociais não devem ser entendidas com verdades absolutas. O ambiente virtual como já dissemos em post anterior estimula e admite as fabulações. Lembre-se da frase que andou circulando há algum tempo atrás na rede: “ninguém é tão feliz como no Facebook, nem tão bonito como no Orkut...”
2- O trabalho do pesquisador qualitativo consiste em lapidar informações. Os conteúdos originados nas redes sociais devem ser entendidos como indícios e não fatos inquestionáveis. O monitoramento das redes sociais deveria ser articulado com diferentes fontes (triangulação de fontes) como entrevistas e outras técnicas consagradas para a coleta de dados.