quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Como o natal afeta nosso comportamento social

Está chagando aquela época do ano em que a maioria das pessoas envolvem-se em algum tipo de reunião familiar, seja para comemorar o natal – se forem cristãos – ou simplesmente para celebrar o final de mais um ano.

As raízes desse comportamento remontam a um passado remoto, na verdade, às origens da nossa civilização. Engana-se quem imagina que o natal seja uma criação dos cristãos e que dataria de uns 2 mil anos para cá. A data tem origem pagã e está relacionada ao solstício de inverno no hemisfério norte – a noite mais longa do ano - e, possivelmente, seria uma data para celebrar a esperança dos povos pré-cristãos de que o sol – simbolizando uma divindade de caráter fecundo, criador e regenerador etc. - voltaria a brilhar com intensidade após o longo, escuro e frio inverno. Pensando em povos cuja sobrevivência dependia do cultivo da terra, fica fácil compreender a razão de tal apreensão. E a religião com suas crenças, símbolos e cerimônias ajudavam aos homens pré-cristãos a dar significado ao evento – inverno – e suas consequências, tornando o mundo mais compreensível e as vicissitudes mais suportáveis.

O que vai acima é a antítese de nossa sociedade atual. Nossa relação com a natureza e a vida em geral passou a ser predominanatemente racional e pragmática. Nós não comemoramos solstícios, nem equinócios e mesmo a religião cristã mudou de forma acentuada a maneira de atribuir significado aos eventos da vida quando comparada à míriade de crenças pagãs. Se, ainda, levarmos em conta que mesmo dentre os que se auto-declaram cristãos muitos têm uma adesão mais ou menos superficial ao conjunto de crenças e valores religiosos, chegamos ao foco deste post – os eventos e comemorações de natal permanecem presentes em nossa vida moderna, porém, para a grande maioria, destituídos de significados trascendentes. Para muitos é mais uma data para presentear e ser presenteado. Em outras palavras consumir, consumir, consumir(1).

Tal estado de coisas tende a criar situações de convívio social e familiar, não raras vezes, constrangedoras. Seja com a nossa própria família ou com grupos de amigos e familiares de outras pessoas. A ausência de valores e projetos em comum ou, pior ainda, a falta de um conjunto de significados compartilhados sobre a vida tende a tornar o convívio potencialmente mais conflitivo e desprazeiroso.

5 Dicas bem humoradas e cínicas

Valendo-se disso, o site Jezebel.com elaborou um pequeno texto bem humorado e cínico com 5 dicas sobre como se portar em festas familiares. Vale a pena ler o texto que está em inglês no site mas, para não deixá-los na mão, segue um resumo com as dicas para o jantar de Natal:

1 - Não fale muito sobre você mesmo. Procure ouvir mais e falar menos que os outros. Aliás, mesmo que alguém insista em chamar-lhe pelo nome errado, deixe para lá.

2 - Não tente elaborar um menu de natal muito diferente, novo ou trabalhoso. Lembre-se de que, em geral, as pessoas têm gosto gastronômico bastante previsível. Isto é: Natal = tender, ou no máximo alguma outra carne assada. Mesmo que você more em um país tropical e à noite a temperatura esteja em 28 graus.

3 - Concorde com tudo o que for dito. Bons relacionamentos podem terminar por conflitos de opinião, geralmente sobre temas supérfluos. Agora, se a relação já não era nada disso mesmo, porque se importar em discutir?

4 - Selecione entretenimento – música, filmes, brincadeiras - inofensivos. O papel de quem ajuda a organizar um jantar em família não é agradar a si mesmo, mas procurar aquilo que tem a menor probabilidade de desagradar quem quer que seja.

5 - Não discuta temas polêmicos como o último caso de corrupção política que veio à tona, ou as próximas eleições.

As dicas apresentadas em tom de "brincadeira" pela jornalista Anna North do site Jezebel, revelam as dificuldades que os relacionamentos modernos encontram ao procurarem reproduzir formas de convívio mais tradicionais. Não estou dizendo que se deva abandonar uma tradição apenas porque ela não mais se ajuste aos padrões e expectativas de vida atual. Como psicólogo social e analista de comportamento, o que chama minha atenção é o fato de que mesmo quando pretendemos ser modernos, sentimos falta de alguma coisa que, antes, havia no mundo das relações tradicionais. Essa reminiscência do passado tradicional não foi eliminada pelo modo de vida da modernidade, nem por toda a sua propaganda e ideologia(2). O discurso do triunfo da razão e do pragmatimo pode ser apenas uma tentativa de acobertar necessidades ancestrais de nos confraternizar e darmos sentidos mais transcentes para a vida.

De qualquer forma, bom Natal.

(1) A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) prevê um aumento de 11% nas vendas para o Natal deste ano, em relação ao mesmo período de 2008 [link].

(2) Para um aprofundamento da questão da modernidade e suas relações conturbadas com a tradição ver: Giddens, A. As Consequências da Modernidade. S. Paulo, ed. Unesp, 1990.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Personagens infantis - O fascínio dos clássicos

Produtos dirigidos ao consumidor infantil se multiplicam em diferentes categorias e tendem a ganhar mais atenção desse público quando associados a personagens de histórias infantis, cartoons, filmes etc. A importância dos personagens parece ser definitiva, tanto que produtos que utilizam personagens famosos em suas embalagens tendem a vender 20% a mais do que similares sem esse estímulo, o que estaria estimulando a ampliação de licenciamentos de personagens por empresas de vários segmentos no ano de 2009 (*).

Pesquisas de Mercado

Em 2005 conduzimos uma pesquisa qualitativa com crianças entre 6 e 10 anos e mães dessa mesma faixa etária com o objetivo de avaliar significados associados a diversos personagens infantis e identificar aqueles potencialmente atraentes para ilustrar embalagens de alimentos e produtos de higiene pessoal da empresa cliente. Entre os achados pudemos compreender que o poder de atração de um personagem depende de um conjunto de fatores mas, especialmente, de sua exposição na mídia e de uma temática que consiga gerar empatia e identificação com o público infantil. Vimos também que personagens atuais tendem a dominar claramente o interesse das crianças porque estão em evidência em diversos espaços num nível muito superior aos personagens clássicos. Mas o surpreen
dente é que alguns clássicos, mesmo que não tenham sido colocados como opção, foram mencionados espontaneamente por crianças e mães como sendo atraentes de forma atemporal. Foram eles “Homem Aranha”, mencionado pelos meninos e “Barbie” pelas meninas.
Quatro anos depois (outubro de 2009) empreendemos um novo estudo com objetivos assemelhados e cujos achados corroboraram a tese de que as novidades atraem, mas os personagens clássicos – “Homem Aranha” e “Barbie” - permanecem de maneira mais consistente no referencial de crianças.
E o que poderia explicar o fascínio e a permanência do interesse por esses ícones?

Homem Aranha e a remissão da fraqueza

“Homem Aranha” reúne características
que geram identificação positiva entre os meninos.
No plano tangível poderíamos dizer que as cores chamativas de sua fantasia - azul e o vermelho – correspondem justamente as usualmente preferidas por meninos de diferentes faixas etárias.

Mas são os significados subjacentes que mais importam. Ele é um dos super-heróis mais humanizados das HQs. Peter Parker é um garoto típico que se percebe como frágil e impotente diante do mundo. De repente transforma-
se num super-herói que reúne uma série de traços arquetípicos - força, coragem, regeneração, justiça, moral e abnegação que correspondem justamente aos anseios dos meninos em fase de desenvolvimento. Cultuar e consumir esse personagem possibilitaria aos meninos uma espécie de catarse: enquanto se identificam com o personagem, compartilham suas emoções e sentem-se mais poderosos, aliviando-se dos sentimentos de impotência e inferioridade. No jogo lúdico, HomemAranha os ajuda a construir o caráter masculino.

Barbie e o exercício da feminilidade

Bárbie já é avó, é odiada por feministas, mas fascina meninas em todo o mundo. Além de carregar consigo as cores preferidas das meninas – rosa, pink, lilás – ela possibilita porque exala atributos femininos e permite o exercício lúdico da feminilidade. Para além de sua beleza física, elegância e glamour a personagem teve a capacidade
de incorporar ao longo das décadas novas características femininas – ser bonita, mas também ativa, profissional e companheira. Barbie gera identificação com meninas que exercitam nas brincadeiras suas possibilidades futuras como mulheres. Ela não representa apenas um ideal de beleza que se perpetua a décadas, mas uma mulher sempre em evolução. Como descreve o Prof. Sérgio Spritzer do Instituto de Psicologia da UFRGS (**): "A Barbie representa os ideais de atitude e aparência de mais de uma geração. Eu diria que ela ajudou a consolidar os sonhos de várias gerações".
Talvez o sucesso e a atualidade desses personagens justifique-se porque seus idealizadores conseguiram reunir em cada um deles a essência do masculino e do feminino como nenhum outro conseguiu com igual competência.

(*)http://blogs.abril.com.br/marketinginfantil/2009/01/produto-licenciado-nova-aposta-varejo.html

(**)http://www.exclusivo.com.br/?noticias/57259/%C0+imagem+e+semelhan%E7a+da+Barbie.eol

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Vampiros Remix – ou como os vampiros ficaram bonzinhos

Não é mais novidade para ninguém que uma verdadeira revoada de vampiros tem aterrissado nas livrarias, nos cinemas e na programação de TV em todo o mundo.

A Warner acaba de estrear o seriado "Vampire Diaries" seguindo os moldes da saga "Crepúsculo" de Stephenie Meyer, cujos quatro livros já venderam mais de 70 milhões de exemplares em 39 países (*). Dois desses best sellers rederam filmes – "Crepúsculo" em 2008 e "Lua Nova" que estreou na última sexta-feira 20/11/2009. Além disso, a HBO acabou de exibir a segunda temporada da bem sucedida série "True blood".

Mas o que explicaria o ressurgimento e o sucesso dos vampiros, especialmente jnto ao público adolescente?

Vampiros são entidades que atravessam os séculos como mitos autóctones. Aparecem em diferentes culturas com traços semelhantes: morto-vivos nefastos que drenam o sangue dos humanos sem piedade. Os vampiros clássicos interpretados no cinema por Bella Lugosi, Christopher Lee entre outros exalavam o mau e a crueldade, despertavam medo e repulsa e eram claramente entendidos como seres a serem banidos, destruídos. Eles estavam ajustados a um mundo cujos valores eram claros e todos sabiam o que era o bem e o que era o mal. Vampiros eram o mal e ponto final.

A literatura no séc XIX e, mais tarde o cinema no século XX, deram conta de tornar o vampiro sensual, atraente, belo, desejado. Embora ele ainda incorporasse o mal, despertava desejo num misto de atração e repulsa. Foi assim com Drácula de Bran Stocker (1992), Vampiro Lestat de Ane Rice (1994) e outros que abriram caminho para uma remixagem da figura do vampiro.

Vampiros já não metem medo porque são apresentados como figuras muito mais "humanas" do que míticas. Andam sob a luz do dia, integram-se aos grupos, namoram com "mortais", são sensíveis, compreensivos, charmosos, inteligentes, até éticos e respeitosos - não sugam sangue humano, só de animais - sofrem por terem uma faceta monstruosa e lutam para conter seus impulsos agressivos – Notem que semelhanças com o comportamento adolescente não é mera coincidência.

Os novos vampiros agradam porque não são monstros puros, mas seres "diferentes" que como excluídos sociais ou qualquer outra "minoria" estão em busca de aceitação, querem ser compreendidos e integrados na diversidade social. Agradam porque foram ajustados à lógica do "politicamente correto" numa realidade que já não oferece mais espaço para dicotomias de valores. O mal passou a ser circunstancial e relativo e pode virar o bem dependendo da situação e momento. Decorre daí que, com tais características, os vampiros tornam-se personagens ideais para gerar identificação, especialmente com o público adolescente ou jovem que vive dilemas assemelhados.

Eternamente jovens

Outra razão que parece ajudar a entender o sucesso das figuras dentuças é o fato de que eles correspondem ao ideal estético do nosso tempo: são eternos, permanecem jovens, belos e vigorosos. Tem os atributos que correspondem em grande medida à busca permanente de jovialidade a qual somos impelidos a perseguir.

A adaptação do vampiro ao espírito do nosso tempo pode estar impulsionando o consumo de entretenimento. Mas em termos do imaginário, quanto mais houver o distanciamento da figura mítica que funcionava para transmitir valores e parâmetros, mais desinteressante ele pode se tornar. Isso pode significar que em breve poderemos assistir o declínio do vampiro como um "produto" para consumo das massas.

Quem sabe os lobisomens não tenham chance dessa vez?

(*)Ver www.ansalatina.com

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Conselho Federal de Psicologia quer proibir propaganda com modelos de cabelos alisados

Segundo a coluna do analista Diogo Mainardi, da revista Veja, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) vai enviar uma proposta que pretende proibir a propaganda com pessoas de cabelos alisados, com o argumento de que ela pode causar "transtornos de toda ordem", comprometendo "a integridade física e psicológica" de quem a assiste.

A referida proposta será apresentada em dezembro de 2009 em um evento denominado Confecom (Conferência Nacional de Comunicação), que é patrocinado pelo governo federal e por entidades associativas, sindicatos entre elas. Aliás, todas têm em comum o fato de serem esquerdistas e se articularem em torno de propostas estratégicas de controle estatal e partidário das comunicações em geral e do jornalismo em particular.

Voltando à proposta do CFP, quem disse que a imagem de cabelos alisados causa "transtornos de toda ordem"? Afirmações genéricas como essa carecem de fundamento científico, além de assumirem claramente um caráter de retórica ideológica. Isto é non sense, não ciência.

Mas, como os profissionais de marketing e de pesquisa poderiam ser afetados caso a tal proposta venha a ser aprovada e se transforme em lei, ou melhor, proibição? De muitas maneiras. Inicialmente, empresas de cosméticos teriam sua liberdade de anunciar seriamente comprometida. Isso certamente fará com que elas anunciem menos e, como conseqüência, pesquisem menos. Como exemplo, podemos citar a Unilever que também comercializa produtos para cabelos alisados.

Vale lembrar que o pior é o que se esconde por trás desse tipo de ingerência política no mundo dos negócios. Em breve alguém afirmará que a propaganda de alimentos pode induzir a obesidade. Ou que a propaganda de pacotes turísticos acentua a desigualdade social, afetando a auto-imagem daqueles que não podem viajar. Sim essas afirmações são absurdas, carecem de fundamento científico e se prestam a fazer politicagem. A vitimização das pessoas é, freqüentemente, utilizada como argumento de políticos e entidades autoritárias, que com o pretexto de proteger as pessoas supostamente indefesas (no caso, os consumidores) instituem mecanismos cada vez mais invasivos de controle da liberdade individual e de empreender.

O perigo é real e imediato.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Logomarca - Uma imagem fala mais que mil palavras?

Desde agosto de 2009 a rede de hipermercados Wal-Mart está com nova logomarca e slogan. Seus materiais de comunicação já divulgam a proposição da rede - fazer uma associação entre economizar e viver melhor.
Diferente do que vinha fazendo até então, o Wal-Mart (agora Walmart) passou a dizer ao mercado que fazer economia comprando produtos de preços mais baixos proporcionaria ao consumidor um excedente para gastos em coisas mais prazeirosas. Uma iniciativa criativa que rompe com a mesmice da comunicação do varejo “high discount” – ofertas gritadas por locutores irritantes, cartazes amarelos com preços em letras grandes e nervosas. A nova comuni-cação do Walmart introduz uma dimensão emocional em uma compra racional.

Mas parece haver um descompasso nessa proposta. Enquanto o slogan comunica de maneira clara e objetiva a proposta da marca “Walmart é pagar menos e viver melhor”, a logomarca – um sol estilizado com 6 raios - não é, digamos assim, tão intuitiva se virmos os vários significa-dos que a empresa pretende comunicar com este ícone e que vão além dos mais usuais: sol associado com calor, força, vitalidade, crescimento, vida entre outras possibilidades. Talvez por isso, encontremos no site da empresa a explicação sobre os significados associados ao novo logotipo:

“A imagem procura transmitir economia e uma sensação de bem-estar e alegria ao consumidor. Cada haste da marca tem um conceito próprio. As três hastes inferiores do novo logotipo representam os princípios básicos da empresa: respeito, atendimento ao cliente e excelência. Já as três hastes superiores representam os compromissos da marca: preços imbatíveis, produtos de qualidade e experiências de compra. A nova marca representa a inspiração que há nas pessoas que trabalham no Wal-Mart de vender por menos para as pessoas viverem melhor”.

Parece estar em curso uma tendência entre empresas de diferentes segmentos desenvolverem ou revitalizarem logomarcas (*) baseadas em estudos ditos semióticos e que não são de maneira alguma facilmente interpretadas pelo receptor/consumidor. São ícones que demandam legendas, muitas explicações adicionais, incluindo campanhas publicitárias desenvolvidas com o propósito de explicar os significados intrínsecos à logomarca.
Sabe-se da dificuldade de se criar uma única imagem (ou símbolo) que represente ou reúna significados concisos. Existe uma série de exemplos de companhias que desenvolveram logomarcas com maior potencial de decodificação como é o caso do Bradesco cuja logomarca estiliza uma árvore que carrega significados simbólicos diversos e que podem ser interpretados de maneira mais intuitiva - símbolo de vida, crescimento, abrigo e suporte – que justamente são atributos que a empresa desejava comunicar aos seus clientes para construir sua imagem.

Então, se a finalidade de uma logomarca é identificar uma marca ou empresa, reunir num único símbolo um conjunto de significados, despertar de maneira ágil e quase instantânea uma série de associações (racionais ou emocionais), por que razão usar ícones que mais dificultam do que facilitam entendimentos?

Tudo indica que logomarca que demanda explicação adicional é mais pretensão do que elemento de comunicação.

(*) Não localizei números sobre investimentos na construção de logomarcas. A Proof Creative (www.proofcreative.com.au), empresa australiana de webdesign e branding estima que entre 5% e 10% das vendas de uma empresa deveriam ser destinadas ao gerenciamento de marketing, incluindo branding, e até 20% na fase inicial de construção de marcas.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O fim da pesquisa de marketing como nós a conhecemos 2 (1)

"I have hardly ever known a mathematician who was capable of reasoning"

Platão

Recentes publicações de livros, artigos em revistas acadêmicas e jornais norte-americanos estão preconizando o advento de novas ferramentas de pesquisa baseadas em técnicas estatísticas multivariadas(2) capazes de tratar gigantescas bases de dados e que não apenas substituiriam com vantagens a maneira como se faz pesquisa atualmente, como também seriam capazes de dar aos profissionais de marketing e planejadores sociais a capacidade de prever, isso mesmo, prever o comportamento dos indivíduos e grupos. Para isso "bastaria" adotar toda a parafernália denominada em inglês de "Analytics" (em tradução livre seria algo como ferramentas analíticas) e promover as mudanças nas organizações de modo a ajustá-las às novas ferramentas, incluídas aí mudanças comportamentais e culturais. Fácil, não é mesmo?

Um dos notáveis defensores das novas ferramentas analíticas de competição é o professor Thomas H. Davenport professor do Babson College , na verdade ele é presidente do centro de pesquisa em TI (tecnologia da informação) da instituição que fica a uns 20 km de Boston – MA. Davenport além da vida acadêmica possui uma reconhecida carreira como consultor, segundo seu site informa, ele é listado pela Consulting Magazine entre os 25 mais requisitados consultores do mundo. Ele também foi, na década de 1990, um dos autores e defensores da reengenharia de processos. Na época, a proposta consistia em rever todos os processos organizacionais e eliminar aqueles que não agregassem valor ao produto ou serviço final da organização. Muitas empresas embarcaram em programas de reengenharia promovidos por consultorias. Modo geral, tais programas eram caríssimos, e resultaram em muitos casos em problemas graves. Notadamente, perda de coesão social entre os membros da organização, alterações profundas e negativas no clima organizacional, perda de talentos entre outros. Como resultado, muitas empresas terminaram seu processo de reengenharia em situação bem pior do que aquela que as levou a procurar a reengenharia. Realmente, tudo foi muito positivo, não é mesmo?

Eis que agora, Davenport, em co-autoria com Jeanne G. Harris (3), propõem em seu novo livro Competing on Analytics: The New Science of Winning a reinvenção dos processos decisórios das organizações de modo a baseá-los em "sofisticadas análises de dados" ao invés da simples utilização de softwares de análise estatística. O objetivo é desenvolver e difundir capacidades analíticas e de inteligência por toda a organização. Segundo Davenport, tais capacidades envolverão os processos, as habilidades, bem como a cultura das organizações de modo a conquistar vantagens competitivas. As decisões serão tomadas apenas baseadas em fatos.

Devemos reconhecer que, desta vez, o próprio Davenport não esconde o grau de dificuldade que sua proposta oferece às empresas que se interessarem por esse processo que promete nada menos que o poder da previsão do comportamento tanto dos consumidores como dos funcionários. Como ele mesmo afirma na página 107 e 108: "A esmagadora maioria das organizações não têm capacidade analítica elaborada nem tampouco um plano detalhado para desenvolvê-la... mudar processos de negócios e comportamentos de funcionários é sempre a parte mais difícil e demandante de tempo de qualquer mudança organizacional mais abrangente".

Não se trata de dizer que não estou apostando uma banana na proposta de Davenport. Mesmo por que ele conhece muito sobre TI e inteligência de negócios. Mas, sempre que escuto as promessas feitas por consultores acerca das maravilhas previstas em projetos deste tipo com seus resultados "impactantes" etc. penso nisso tudo como uma peça de retórica, onde fica difícil divisar o que de fato é exeqüível e o que é só promessa exagerada.

Particularmente me incomoda a parte da previsão do comportamento. Isso cheira a ficção política do tipo Admirável Mundo Novo (Huxley) e 1984 (Orwell). É assustador, mas tem muito de fantasioso. Técnicas multivariadas robustas têm sido utilizadas de modo intensivo em áreas de pesquisa pura e mesmo aplicada, como é o caso da metereologia. Empiricamente sabemos que o poder de previsão dos metereologistas é limitado. Então, por que haveria de ser diferente com o comportamento dos consumidores? Isso me lembra meu professor de técnicas de análise multivariada do doutorado que fazia uma observação jocosa onde ele dizia: A estatística é uma ciência maravilhosa. São os dados que atrapalham.


(1) Clique aqui para ver post anterior que contém a primeira parte do tema.

(2) Para uma definição abrangente e uma descrição detalhada de tais técnicas estatísticas ver: Hair, J. et al – Multivariate Data Analysis. New Jersey, Prentice Hall, 1998.

(3) Jeanne G. Harris é uma executiva senior e diretora de pesquisa da Accenture.

sábado, 15 de agosto de 2009

A tirania do MS PowerPoint® – Usos e abusos da tecnologia 2

(Ler primeiro o post anterior)

Em outro estudo de caráter mais empírico conduzido por dois professores(1) da Delft University of Technology da Holanda revelou que os alunos, ao menos os Holandeses, tendem a preferir apresentações mais simples ao invés daquelas que empregam layouts carregados de cores, muitos efeitos visuais e de transição. Contudo, de acordo com os autores é necessário ler os resultados com parcimônia, uma vez que dizem respeito a alunos holandeses que, como destacam os autores, alunos não são especialistas em comunicação. Mesmo assim os achados gerais do estudo merecem, ao menos, reflexão. Os resultados indicam que de maneira geral os alunos preferem:

  • Apresentações em PowerPoint mais do que as antigas transparências de acetato;
  • Slides de texto (bullets) que apresentam uma linha por vez sem efeitos mirabolantes no texto;
  • Tabelas mostradas de uma única vez;
  • Slides com visual "clean", isto é, sem poluição visual;
  • Layout padronizado e simples;
  • Imagens e gráficos para ilustrar idéias;
  • Apresentadores que saibam operar o software e que...
  • Utilizam de gestos para apontar para os slides, não objetos ou laser pointers.

Os estudo também identificou aspectos que não são apreciados em apresentações e que seria melhor evitar:

  • Utilizar som (clip de audio);
  • Efeitos de transição ou animação em excesso;
  • Grande variedade de cores;
  • Background carregado com cores fortes e/ou imagens;
  • Apresentador que lê o texto dos slides ao invés de comentá-los e que...
  • Atua como um auxiliar de palco (stagehand) da apresentação, permanecendo no escuro;

Apesar da grande diferença entre os dois materiais aqui comentados – neste post e no anterior - é possível identificar uma orientação geral nos estudos. Ambos sugerem que as apresentações geradas pelo PowerPoint são desejáveis e eficientes, desde que as apresentações sejam ferramentas de suporte para um apresentador capacitado que utilize o PowerPoint de modo criativo, valorizando a interação e um diálogo instigante com a audiência. Utilizando os termos do professor Yiannis Gabriel, uma utilização paragramática (criativa e descontinua) do software é desejável e capaz de atrair a atenção ao mesmo tempo em que abre a possibilidade de aprendizagem de maneiras imprevistas. Já o uso programático, isto é, linear e repetitivo do software tende a gerar apresentações mais desinteressante e aborrecidas do que atrair a atenção, gerar participação e aprendizagem.

(1) Blokzijl, W. e Naeff, R. The Instructor as Stagehand: Dutch Student Responses to PowerPoint. Business Communication Quarterly, Volume 67, Number 1, March 2004.

A tirania do MS PowerPoint® – Usos e abusos da tecnologia 1

Indagar sobre os possíveis abusos do PowerPoint e suas conseqüências negativas para o desenvolvimento do intelecto pode parecer quase uma heresia nos tempos que correm, dada a onipresença das apresentações de relatórios de pesquisa geradas por softwares de apresentação, dentre os quais o PowerPoint é o principal representante (1). É fato no mundo dos negócios que praticamente todo relatório, proposta ou mesmo aula em escolas de Administração contenham em algum momento uma apresentação em PowerPoint. Mas será que alguém procurou investigar a eficiência dessa tecnologia e seus impactos na audiência e na forma em que os conteúdos são gerados? A resposta é: sim já existem pesquisas empíricas sobre o tema, embora elas estejam mais voltadas para o universo do ensino e para o mundo acadêmico, ainda assim elas podem nos proporcionar insights valiosos.

Neste post desejo comentar o ensaio do professor Yiannis Gabriel da Royal Holloway University of London, cujo título já deixa antever o tom crítico do material: "Against the Tyranny of PowerPoint: Technology-in-Use and Technology Abuse"(2) (traduzindo livremente: Contra a tirania do PowerPoint: Usos e abusos da tecnologia).

O ensaio parte da seguinte premissa: mais do que automatizar tarefas, aumentar a eficiência e acrescentar estilo na preparação de relatórios, apresentações e aulas, o PowerPoint – como representante de tecnologias de informatização – funciona como um artefato cultural capaz de redesenhar a própria tarefa e seus objetivos, introduzindo mudanças na maneira de pensar, construir conhecimento, compartilhar informações e de interagir. Partindo de experiências pessoais o professor Yiannis analisa os usos e eventuais resultados adversos que a aplicação do software pode acarretar tanto para a audiência como para o apresentador e que incluiriam principalmente 3 aspectos:

  • Fragmentação do conhecimento em marcadores (bullets points) – o que pode levar a uma supersimplificação do conhecimento, à superficialidade analítica e à fragmentação do conhecimento. Como teste, experimente transformar uma apresentação com listas de marcadores em texto corrido. Não raro ficarão evidentes erros de encadeamento lógico, "pulos" na argumentação que demandariam mais etapas e clarificação entre outros;
  • Dependência de suporte visual para acobertar fragilidades de análise – devido aos recursos visuais do software é comum que relatórios superficiais e, até mesmo tolos, venham emoldurados em layouts sofisticados e recheados de imagens chamativas que procuram acobertar aquelas fragilidades com uma "aura" de seriedade e profissionalismo;
  • Linearidade forçada na argumentação - que poderia limitar a capacidade de improvisação, digressão e na criatividade por impor uma maneira estreita de apresentar o material sem abrir espaço para o imprevisto, o diálogo e a novidade.

Yiannis afirma que por vivermos em uma sociedade obcecada pelas imagens e pelo espetáculo, as apresentações em PowerPoint podem ser comparadas com o hábito de assistir TV. Em outras palavras, a audiência de uma apresentação tende a observar e absorver passivamente e sem crítica as imagens e os conteúdos, muitas vezes recheados de mensagens subliminares. Assim, a experiência de consumir informações, relatórios e aulas seria uma extensão da experiência de consumo de shows e programas de televisão. Nas universidades, isto seria uma decorrência do fenômeno da "comercialização da educação superior" que o professor Yiannis jocosamente denomina 'McUniversities' (p. 258).

Indo mais fundo na crítica, outro professor de design de informações - Edward Tufte, da Universidade Yale, chega a acusar o PowerPoint de ser responsável pela estupidificação e aborrecimento das platéias. Tufte em tom de zombaria afirma: "O poder corrompe e o PowerPoint corrompe totalmente".

Usos criativos ou "paragramáticos" da tecnologia

Contudo, Yiannis não concorda com esse tipo de crítica radical e acredita ser possível empregar os softwares de apresentação de maneira a transformar uma palestra ou aula em um evento capaz de eliciar na audiência e no apresentador o desempenho de papéis mais críticos, criativos e ativos o que ele denomina de um uso "paragramático" da tecnologia, que seria um uso menos linear, simplificador ou "programático". De fato, para ele o software tanto pode ser imbecilizante e induzir passividade mental como eliciar o pensamento ativo, crítico e criativo, o que dependeria do uso ou da maneira como a tecnologia é empregada.

(1) Segundo o site PC Advisor, em 2003 as vendas do PowerPoint sozinho superaram 1 bilhão de dolares. Naquela época o PowerPoint era utilizado por mais de 500 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo e, segundo estimativas, mais de 30 milhões de apresentações preparadas no PowerPoint eram realizadas todos os dias.

(2) Gabriel, Yiannis. Against the Tyranny of PowerPoint: Technology-in-Use and Technology Abuse. Organization Studies 29(02): 255–276, 2008, SAGE Publications.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Vitrines fora de foco

Retomo meus escritos depois de um período de intenso trabalho e pouco tempo para o blog, infelizmente. Idéias não me faltaram, mas existem períodos que precisamos nos dedicar quase que integralmente ao trabalho. Quem atua na área de pesquisa de mercado sabe do que falo. Uma imersão completa nos achados que vão sendo depurados, destrinchados e estruturados num pensamento analítico que, mais adiante, resulta no relatório final de pesquisa. Leva tempo. Mas nem mesmo em meio às exigências do trabalho deixo meu olhar curioso ao redor. Isso me alimenta. Uma passada rápida num shopping center e volto cheia de idéias. O ser humano em situação de consumo é um grande espetáculo, um objeto de estudo que sempre se atualiza.

Numa dessas imersões observei um fenômeno interessante. O que vi em termos de vestuário nas vitrines não correspondia exatamente ao que via sendo usado pelas pessoas, especialmente os sapatos calçados pelas mulheres.

Enquanto as vitrines das lojas apresentavam um estilo de sapatos – sapatilhas de bicos redondos, os tais "peep toes" com saltos grossos – pude ver um estilo diferente nos pés de muitas das transeuntes – bicos mais finos e saltos mais altos.

Estaria havendo um descompasso entre o que é oferecido e o que é usado? O que as mulheres estão usando é uma moda defasada, item da coleção passada? Ou poderia significar uma resistência, ainda que ingênua, de um grupo de consumidoras que não se rende aos ditames da moda?

Fato é que no mesmo dia entrei numa loja que anunciou recentemente em seu site um modelo de sapato que eles rotularam como sendo "retrô", bem diferente do que seria a proposta mais recorrente nas vitrines atuais. Perguntei pelo referido modelo e a vendedora me informou que não tinha mais. Disse, ainda, que tinham chegado poucos daqueles sapatos e que esses haviam sido vendidos muito rapidamente. E para minha decepção, não viriam mais para reposição.

A vendedora, na tentativa de efetuar uma venda, apresentou-me outros modelos, estes sim, mais ao estilo da moda atual.

Pergunto: se esse modelo de sapato teve uma aceitação tão evidente, por que não está mais à disposição?

Afinal, qual é a lógica da indústria da moda, entender o que quer o consumidor e produzir algo que venha de encontro aos interesses e desejos ou "criar" produtos a partir de alguma idiossincrasia e impô-lo ao mercado?

Fica a dúvida no ar...

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Comprar pesquisa de mercado não é o mesmo que comprar parafusos

As regras que orientam o processo de escolha de produtos tangíveis não são, ou não deveriam ser, as mesmas que se aplicam à escolha de profissionais e empresas prestadoras de serviços. Diferente de produtos, que podem ter suas características físicas ou funcionais objetivamente avaliadas e mensuradas, serviços têm natureza intangível e os critérios que orientam a escolha exigem uma régua bastante diversa.
Serviços são realizados a partir de idéias e conceitos, mesmo que exista uma parte tangível que viabilize a concretização do serviço – o ambiente, materiais impressos e outros itens físicos que tornam palpável a sua execução. Quem os compra ou os consome baseia-se, principalmente, na reputação do prestador de serviço. Em outras palavras, na história construída pela empresa ou profissional e na competência comprovada ao longo do tempo junto dos clientes.
Tem se tornando uma prática recorrente em algumas empresas delegar a escolha de fornecedores de pesquisa de mercado as suas áreas de compras. Tenho tido diversas oportunidades de interagir com profissionais dessa área e pude notar uma postura meramente técnica e estereotipada. Escolhe-se um fornecedor de pesquisa segundo os mesmos critérios utilizados na escolha de um fornecedor de parafusos, automóveis ou outros bens tangíveis.
Entendo a necessidade de procedimentos formais para estruturar o processo de compra, mas como profissional de pesquisa, reconheço a necessidade de uma maior interação com o cliente interno da empresa, pois este é o responsável pelo levantamento da necessidade de um estudo de mercado, conhece o problema de pesquisa, tem um histórico de pesquisas anteriores e pode participar mais efetivamente no processo de construção de uma proposta de pesquisa que realmente atenda suas necessidades.
Elaborar uma proposta de pesquisa de mercado não é fazer uma tabela de preços com previsão de datas para execução e entrega dos serviços. Envolve a escolha da metodologia mais adequada ao problema de pesquisa, delineamento amostral coerente ao problema e ao método e outros aspectos técnicos que demandam profissionais especializados para tanto. Nessa etapa é primordial o trabalho conjunto do prestador de serviços com o principal interlocutor da empresa cliente que é o solicitante do estudo.
Nos contatos que tenho feito os profissionais de compras parecem estar funcionando como uma barreira ao contato com a área solicitante. Freqüentemente ocupam a posição de decisores, mas não parecem preparados tecnicamente para solucionar dúvidas ou elucidar questões que são, muitas vezes, cruciais para o esboço de uma proposta. Além do que, muitos compradores explicitam que o principal critério para escolha do fornecedor é o preço ou, usando o jargão comum da área, “a melhor proposta”.
Preço não parece ser o melhor critério de escolha para serviços: o barato pode sair muito caro.
Minha preocupação reside no fato de que muitas vezes a pesquisa de mercado pode cair em descrédito e ser vista com maus olhos justamente porque são compradas por profissionais que não tem preparo para escolher o fornecedor mais bem preparado.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Quando a publicidade reforça os estereótipos

O novo filme das Sandálias Havaianas é mais um bom exemplo de uma peça publicitária que reforça a malandragem e o jeitinho como traços do caráter nacional.
Resumidamente, o filme mostra um grupo cantando e bebendo cervejas alegremente num bar quando uma mulher com traços que poderíamos definir como “tipo intelectual” - camisa, colete, cabelo preso e óculos - pergunta ao grupo como eles conseguem cantar e se divertir quando o mundo está sob os efeitos de uma grave crise econômica. A resposta vem cantada em forma de samba – “tristeza, por favor, vá embora” (lalalá).
Embora a função do filme publicitário seja divulgar um produto – as sandálias aparecem como instrumento de percussão nas mãos do ator Marcos Palmeira - está implícita no texto a promoção de um padrão de conduta que corresponde a antigos estereótipos que fazem parte do imaginário popular e do referencial cultural brasileiro. A atitude do grupo flerta de perto com a malandragem - ser astuto, esperto, levar sempre vantagem sobre pessoas e situações, dar um jeitinho para se livrar de problemas – no caso desse filme, a crise econômica.
O filme das Havaianas utiliza de uma linguagem pretensamente bem humorada para procla-mar que o mais adequado e correto a fazer diante de problemas é cantar. Cantar é a solução para espantar a tristeza; a música funciona como um amuleto que espanta os males para longe. O bom é não pensar em coisas sérias, o legal de ser brasileiro é ter a cabeça fresca, afinal de contas “é só deixar como está para ver como é que fica”, “tudo passa”.
Em contraponto, a mulher que questiona o grupo sobre a necessidade de uma postura de seriedade diante da crise se apresenta como um empecilho para a felicidade, um incômodo a ser banido. Ela é a estranha que não carrega a alma brasileira.
O uso desses estereótipos não é novo na publicidade brasileira. O marco definitivo do “folclore do jeitinho” ficou famoso no anúncio dos cigarros Vila Rica, protagonizado pelo jogador de futebol Gerson anos 70 que entoou a frase: "Você gosta de levar vantagem em tudo, certo?" Se a princípio a campanha publicitária não teve um impacto pejorativo, tornou-se um jargão que virou a chamada “lei de Gerson” para ser utilizado como sinônimo de falta de escrúpulos e ética.
Para a historiadora Maria Izilda Matos essa propaganda “captou um elemento de identificação que estava no imaginário popular. A lei de Gerson funcionou como mais um elemento na definição da identidade nacional e o símbolo mais explícito da nossa ética ou falta de ética". E é exatamente o que o filme das Sandálias Havaianas está fazendo mais uma vez.
Depois não adianta reclamar quando estrangeiros não nos vêem com bons olhos, não nos entendem como pessoas sérias e confiáveis.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Armadilhas que podem destruir a reputação da pesquisa qualitativa

Pesquisa qualitativa é coisa séria, mas nem sempre é assim compreendida. Persiste uma idéia bastante difundida de que a metodologia qualitativa é "menos séria" ou "inferior" a quantitativa.

O conceito de pesquisa quantitativa como superior ou mais crível que a qualitativa talvez possa ser explicado, em parte, porque esta pressupõe objetividade - mensuração dos fenômenos com instrumentos previamente elaborados, hipóteses claramente especificadas, variáveis definidas e resultados tratados estatisticamente. Por outro lado, a pesquisa qualitativa, de natureza mais subjetiva, não busca medir os eventos estudados, nem os analisa com instrumental estatístico, mas procura entender a realidade de um dado fenômeno a partir da perspectiva das pessoas que o vivenciam e para isso utiliza abordagens e técnicas mais flexíveis.

Tive a oportunidade de ouvir comentários preconceituosos em relação à metodologia qualitativa muitas vezes nos meios acadêmicos e mesmo entre profissionais de pesquisa de mercado. Embora discorde totalmente de tais afirmações, tenho que reconhecer que algumas atitudes e práticas de profissionais de pesquisa estão colaborando para fortalecer e disseminar uma visão distorcida da pesquisa qualitativa aplicada aos estudos de mercado. Por isso, acho importante colocá-las às vistas. Vamos a algumas das que considero as mais relevantes:

  • Pesquisa qualitativa é fácil - basta gostar e ter jeito para conversar com as pessoas. Não é preciso ter uma formação universitária específica, mas gostar de lidar pessoas;
  • Pesquisa qualitativa é barata - a contratação de profissionais sem qualificação atende à lógica da redução de custos. Isso implica na contratação de profissionais cada vez mais jovens e/ou sem experiência que, quando muito, recebem alguma orientação e partem para condução de entrevistas, discussões em grupo ou as chamadas entrevistas etnográficas.
  • Falta de competência analítica – decorre da formação insuficiente ou deficitária do profissional de pesquisa para interpretar discursos e narrativas, o que resulta em relatórios de pesquisa meramente descritivos, muitas vezes contraditórios e não conclusivos;
  • Solução caseira – profissionais das áreas de marketing, pesquisa de mercado e publicidade ou outras se colocam no papel de pesquisadores. Saem às ruas com um roteiro improvisado, gravador ou câmera na mão e, após algumas entrevistas breves, retornam com "insights". Rápido, de baixo custo e achados freqüentemente equivocados.

A persistirem essas práticas, o fim dessa modalidade de pesquisa tem data marcada.

Crise financeira e o surgimento de um novo consumidor – O simplificador

A crise financeira que começou a ganhar dimensões críticas a partir de setembro de 2008 está alterando de modo radical o ambiente dos negócios em praticamente todo o mundo. Com a rápida difusão da crise através de suas ramificações sistêmicas, tudo indica que as alterações nos mercados e no comportamento dos consumidores será profunda e durável. Em períodos de recessão econômica os consumidores tendem a adotar padrões mais conservadores de consumo, evitar excessos de auto-indulgência, além de utilizar critérios mais racionais de compras. Contudo, em crises mais profundas, cujos efeitos se prolongam por períodos de meses ou anos, a tendência é das mudanças no comportamento de consumo assumirem um caráter mais duradouro.

Baseado nessa premissa o professor John Quelch da Harvard Businness School propôs que em razão das alterações no cenário econômico as mudanças de comportamento levariam as pessoas a adotar um novo padrão de consumo que ele denominou de "Simplificadores" (Simplifiers em inglês), que inicialmente se expandiria nas classes mais altas – média alta e alta - e, posteriormente, tenderia a se difundir rapidamente pela sociedade. As 4 características mais salientes desse novo perfil que Quelch descreve seriam:

  • Consciência de que possuem muito mais objetos do que de fato necessitam;
  • Percepção de que o excesso de bens pode ser embaraçoso e, pior ainda, na medida em que a posse de bens categorizados como "de luxo" difundiu-se pela sociedade, os objetos perderam a capacidade de agregar status social (1);
  • Desejar e valorizar mais as experiências do que o simples acúmulo de bens e objetos;
  • Viver bem seria viajar para lugares exóticos (nada de pacote turístico), jantar em restaurantes charmosos de culinária sofisticada, mas nada ostensivos e praticar esportes diferentes. Enfim, fugir do estilo "enricado"(2), muito comum no Brasil de hoje.

O perfil "simplificador" seria oposto ao padrão que caracterizou o consumo da década de 1990 - 2000. Daí a tendência a rejeitar o consumo rotulado como "de luxo" e do que se entende por "estilo de vida dos ricos" – i.e. casas grandes, com muitos cômodos recheados de utensílios domésticos, TVs LCD acima de 50 polegadas, carros do tipo sport utility com motores V6 e V8 e grifes, muitas grifes.

Segundo o professor de Harvard, o estilo "simplificador" deve se desenvolver nos países mais desenvolvidos, que já teriam atingido um certo estágio de desenvolvimento econômico e cultural. Já os países em desenvolvimento seriam o destino alternativo para os fabricantes dos bens e objetos que não teriam mais tanto apelo nos países ricos. Curioso notar como as montadoras estão investindo no Brasil e trazendo para cá modelos que antes chegavam apenas como "importados" e a um preço elevado. Mesmo assim, acredito ser difícil generalizar, uma vez que há já alguns anos segmentos da elite local vem se afastando do consumo de bens ostensivamente de luxo. O crescimento do consumo desses itens estaria se dando em segmentos da classe média alta e entre aqueles agraciados com fortunas recentes.

Para ler o artigo do prof. Quelch na íntegra clique aqui

(1) A elite, desempenhando seu papel de centro emissor de costumes, abandona hábitos que ela mesma ajudou a criar a partir do momento em que esses hábitos tornam-se acessíveis às massas e não oferecem mais diferenciação social nem cultural.

(2) "Enricado" - Neologismo produzido a partir da corruptela do termo enriquecido, de uso comum nas classes mais baixas do Brasil e no discurso de alguns políticos em evidência.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Pesquisa e inovação – o caso do sapato – abridor de garrafas

Dia desses vi um outdoor que me chamou a atenção pelo inusitado do produto anunciado - um sapato masculino que acumulava a função de abridor de garrafas. Trata-se de um lançamento da fabricante de sapatos Francajel.

O que mais atraiu minha curiosidade como especialista em pesquisa de marketing foi o apelo essencialmente kitsch (1) do produto. Pensando mais sobre aquele objeto inusitado, me surgiram as seguintes questões: Teria sido o sapato abridor concebido como resultado de pesquisas? Será que foram identificadas demandas dos consumidores por um calçado com conteúdo tecnológico (convergência de tecnologias)? Ou simplesmente alguém teve um momento criativo extraordinário, algo como uma epifania (2), que revelou um caminho: o sapato abridor.

A história do marketing está repleta de casos de produtos – alimentos, bebidas, cosméticos, veículos, utensílios domésticos, eletroeletrônicos dentre outros - que não alcançaram o sucesso esperado por seus idealizadores, tiveram um desempenho insatisfatório nas vendas e terminaram retirados do mercado.

Muitos desses produtos nasceram na esteira da inovação. Desenvolver novos produtos para suceder os que já estariam em declínio no ciclo de vida é condição vital para empresas se tornarem competitivas e lucrativas. Mas por que alguns produtos alcançam o sucesso e outros não são aceitos pelo público?

As razões que podem explicar a rejeição de novos produtos podem ser as mais variadas, destacando-se especialmente os relacionados às características tangíveis dos mesmos – sabores, aromas, embalagens, características tecnológicas etc. Existem ainda outros fatores que podem contribuir para que novos produtos sejam preteridos pelos consumidores (3):

  1. Muitos lançamentos são percebidos como tendo atributos e benefícios inferiores a produtos existentes da mesma categoria;
  2. Alguns fracassos são justificados devido a processos de comunicação e difusão ineficazes;
  3. Novidades tendem a ser rejeitadas porque denotam uma tentativa de mudar comportamentos e hábitos de consumo já aprendidos. Produtos novos tendem a influenciar o comportamento das pessoas que o adquirem e o utilizam, exigindo abertura para adoção de inovações e, conseqüentemente, uma reconfiguração de hábitos.

Independente dos motivos para a rejeição parece existir um fato muito comum entre produtos que, digmos, não deram certo. Eles chegaram ao mercado sem terem sido submetidos à apreciação prévia do público a quem se destinavam. Ou seja, não foram devidamente pesquisados, testados junto ao público-alvo. Foram simplesmente... Lançados!

A pesquisa de mercado serve justamente para sondar as possibilidades de aceitação ou rejeição de um produto novo, levantar seus aspectos apreciados e os rejeitados pelo público alvo.

Não sei se o sapato – abridor foi ou não testado. Talvez ele até tenha lá seu público, que esteja buscando este tipo de convergência tecnológica. Em todo caso, ele inspirou essa minha reflexão.

(1) kitsch - termo de origem alemã (verkitschen) utilizado para categorizar um objeto de valor estético distorcido e/ou exagerado. Também utilizado para definir objetos que acumulam múltiplas funções.

(2) Epifania é uma súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do significado de algo. O termo é usado nos sentidos filosófico e literal para indicar que alguém "encontrou finalmente a última peça do quebra-cabeças e agora consegue ver a imagem completa" do problema.

(3) Ver Engel, Blackwell & Miniard – Comportamento do Consumidor – 8ª. edição, Livros Técnicos e Científicos Editora S/A, Rio de Janeiro, 1999.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Relacionamento com o consumidor – o que realmente faz a diferença?

Se eu começar a citar os famosos clichês que dão conta de enaltecer a figura do cliente na relação comercial um post será pouco. "Cliente em primeiro lugar", "Cliente satisfeito é cliente fiel" entre outras.

Tem sido recorrente nos discursos de marketing, nas missões das empresas, nos manuais de qualidade e de atendimento ao cliente (SAC) tomar a figura do cliente como um agente definitivo para o sucesso da empresa. Em outras palavras, empresas entendem que não sobrevivem sem clientes. Mas, discursos à parte, só há uma maneira de se conhecer realmente a conduta de uma empresa em relação ao cliente: a experiência.

Recentemente comprei num hipermercado dois bolos light da marca Renata, ambos com validade até setembro de 2009. Abri a primeira embalagem e o bolo estava mofado, a segunda, idem.

Liguei para o SAC da empresa e fui recebida por uma atendente que quis ouvir minha história antes mesmo do inevitável e burocrático preenchimento de cadastro. Como já estive em inúmeras situações como esta, confesso que minha atitude foi de total prevenção. Imaginei que ouviria uma seqüência de argumentos automáticos aprendidos nos treinamentos de atendimento: aguarde nosso retorno, não podemos fazer nada no momento, dirija-se com o produto no local da compra para efetuar a troca etc.

Contrariando as expectativas pessimistas, a atendente conduziu o caso da seguinte maneira:

  1. Pediu para que eu contasse o problema. Ela não pediu informações cadastrais inicialmente;
  2. Disse para eu jogar os bolos no lixo imediatamente e me explicou que mofo pode ser perigoso à saúde e pode contaminar outros alimentos. Fiquei espantada por não ter me pedido para enviar o produto como prova;
  3. Solicitou o número do lote dos produtos para análise técnica;
  4. Confirmou o local da compra para que a empresa mandasse técnicos que fariam uma inspeção das condições de armazenamento do local;
  5. Solicitou meu endereço para enviar, em até 15 dias, dois bolos para repor os danificados.


15 dias depois a empresa Renata/Selmi enviou os bolos bem embalados e acompanhados de uma carta agradecendo minha colaboração e colocando-se à disposição. Além disso, ainda me enviaram como cortesia um pacote de queijo ralado.

Na prática de pesquisa de mercado costumo ouvir com mais freqüência reclamações que elogios sobre a conduta de empresas no atendimento ao cliente. Vejo que o que realmente incomoda os clientes é receber um atendimento indiferenciado,
estereotipado, lento, frio, burocrático, desconfiado a priori e, na maioria das vezes, com um resultado insatisfatório.

Clientes são pessoas e querem ser ouvidos como indivíduos que têm uma história particular com aquele produto ou serviço. Querem trazer as suas perspectivas do problema.

O que faz realmente a diferença é abrir o canal para ouvir o sujeito e não adotar procedimentos padronizados que podem facilitar a operação de atendimento para as empresas, mas não garantem um atendimento de qualidade ao cliente.

A Renata/Selmi, pelo menos nesse episódio, mostrou competência para entender o cliente.

segunda-feira, 30 de março de 2009

O consumidor está nú

Estamos cada vez mais vulneráveis. Não é fato novo que informações sobre quem somos, o fazemos, o que consumimos, locais que freqüentamos, documentos pessoais e demais dados de cunho sigiloso circulam livremente e são compartilhados sem cerimônia por empresas com "objetivos mercadológicos".

O Jornalista Erik Larson em seu livro de 1992 "The Naked Consumer – How our lives become public commodities" apresentou um apanhado de estratégias utilizadas por diferentes empresas para acessar o consumidor americano com objetivo de divulgar produtos e serviços. Ele nos conta que no dia seguinte ao nascimento de sua segunda filha recebeu em sua casa um pacote de fraldas da Procter & Gamble. A partir desse evento passou a questionar: como uma empresa conhece e utiliza detalhes tão íntimos de sua vida? Esse evento despertou o seu interesse em investigar os sistemas desenvolvidos por companhias americanas para chegar até os consumidores e nos propõe uma reflexão válida - seria apenas estratégia de negócios ou invasão de privacidade e da liberdade individual?

O resultado destas ações promocionais quando se limitam ao envio de mailing ou amostras de produtos podem ser interessantes do ponto de vista de marketing e costumam ser pouco invasivas para o consumidor. Mas nem sempre nossas informações são utilizadas com parcimônia. É justamente quando os limites da privacidade são largamente ultrapassados e há prejuízo para ambas as partes, empresas e consumidores.

Relato a seguir um caso que ilustra a questão.

Por insistência de uma atendente de caixa da Kalunga, aquela empresa que vende materiais para escritório, aceitei fazer um tal de Cartão Aura. Sabe quando se faz algo mais imbuído da intenção de ajudar do que por interesse próprio? Pois bem, recebi o tal cartão em novembro de 2008, o guardei na gaveta, não o desbloqueei para uso e esqueci totalmente de sua existência. Pois não é que em fevereiro de 2009 chega a minha casa uma fatura referente à compra de um celular na Americanas.com que eu não comprei e, pior ainda, com um cartão que estava bloqueado. Não preciso entrar em maiores detalhes, mas quero deixar registrado que foi um árduo caminho até solucionar o problema da fraude – conseguir cancelar o tal cartão e a referida compra.

O que é realmente alarmante é saber que pessoas de má fé tiveram acesso aos meus dados pessoais, sabe-se lá de que maneira, e que conseguiram driblar os tais "procedimentos de segurança" que, teoricamente, garantiriam o meu sigilo e segurança financeira.

Embora desgastante, consegui reverter o meu prejuízo como consumidora. Mas não posso dizer o mesmo das empresas envolvidas, pois episódios como esse fazem um tremendo estrago na imagem.


terça-feira, 24 de março de 2009

Tendência 1: Como moraremos daqui em diante?

No final de 1999 fomos convidados pela Alternativa Editorial, especializada em publicações dirigidas ao setor moveleiro, para participar de um projeto que tinha como objetivo elaborar um volume especial sobre as tendências de comportamento de consumo no próximo milênio e que foi publicado em abril de 2000 com o nome de "Caminhos do III milênio". Para nós foi uma atividade bastante interessante, pois como pesquisadores e professores tínhamos reunido um conjunto vasto de informações que nos permitiram, naquela ocasião, elaborar 14 tendências sobre hábitos de consumo de produtos e serviços, moradia, relacionamento familiar e social, organização do trabalho, lazer, etc.

Nesses 9 anos retomamos com freqüência esse material para orientar nossas análises como pesquisadores de mercado e constamos que, salvo alguns detalhes tópicos, as tendências que apontamos como possibilidades foram se consolidando. Mas há uma dessas tendências que quero comentar, pois parece estar ocupando um espaço relativamente importante nas mídias e nos discursos do cotidiano: a maneira como moraremos e viveremos em nossas casas.

Em 2000 prognosticamos que – vai aqui o texto na íntegra - "o estilo "houser" deverá aumentar sua influência, ou seja, as pessoas vão se confinar mais ao espaço doméstico. Seja devido à violência urbana, a maior disponibilidade de equipamentos de lazer por preços mais acessíveis ou porque terão mais tempo livre. As pessoas devem transformar suas casas em espaços de lazer e convívio social".

Semana passada o jornal O Estado de São Paulo (Caderno Cidades - 17/03/2009) publicou matéria sobre condomínios que estão sendo criados para serem bairros privativos. Muitos deles estão sendo construídos em grandes terrenos que abrigavam antigas fábricas desativadas e reúnem num mesmo espaço prédios para moradia, escritórios, lojas, dezenas de opções de lazer, garantindo aos futuros moradores qualidade de vida, segurança, conveniência e comodidade. "Tudo no mesmo lugar sem precisar sair de casa". Os tais condomínios "4 em 1" têm sido vendidos com facilidade – o artigo menciona que em 6 meses de anúncio 70% de um empreendimento no bairro do Campo Belo já havia sido vendido. E até 2011 São Paulo ganhará mais 7 conjuntos que unem residência, trabalho, lazer e comércio.

O que parece estar acontecendo é que a nossa sociedade está buscando tais formas de moradia como tentativa de preencher lacunas deixadas pelo Estado que já não dá mais conta de garantir, entre outras coisas, segurança e qualidade de vida aos cidadãos. Decorre daí a busca privada por uma "relativa sensação de segurança", promessa dos condomínios fechados e dos bairros privativos.

Tenho conversado com pessoas que vivem em condomínios fechados e que dizem ter procurado tais locais porque desejavam, principalmente, mais segurança, tranqüilidade e a possibilidade de usufruir do espaço da casa com suas famílias e amigos. A própria forma como se constroem e se organizam os ambientes procura valorizar o convívio, vide as cozinhas e varandas gourmets bem equipadas ou as salas integradas com cozinhas e varandas que são cada vez mais utilizados como argumento de venda dos lançamentos imobiliários.

Isso tudo vem confirmar nosso prognóstico de 2000. CQD.

sábado, 21 de março de 2009

O fim da pesquisa de marketing como nós a conhecemos?


Não sei se estou me sentindo preocupado pelos recentes documentários do History Channel que tratam do apocalipse, do Armagedom e das possíveis relações disso tudo com o calendário Maia que termina em 2012, além das sempre citadas profecias de Nostradamus e dos índios Hopi - ufa! Isso tudo poder ser apenas excesso de imaginação, contudo, parece que o clima de expectativas apocapílticas também chegou à área da pesquisa de marketing, como se pode notar na entrevista recentemente publicada no site Divas Marketing com o diretor da ARF (Advertising Research Foundation) Joel Rubinson. O tema era justamente as profundas mudanças que estariam começando a acontecer na área de pesquisa de marketing em razão da emergência das assim chamadas "mídias sociais" (1). Tais mudanças segundo Rubinson irão transformar a pesquisa de marketing de tal maneira que uma participante de um dos eventos da ARF chegou a dizer que até 2012 - olhe a data de novo - a pesquisa de marketing que conhecemos estaria sobrevivendo apenas com a ajuda de aparelhos. Em outras palavras, estaria moribunda numa UTI qualquer esperando o fim chegar.


Poder para as pessoas

Mas afinal qual o desafio que as mídias sociais apresentam para os anunciantes, publicitários e pesquisadores cujos interesses a ARF representa?

A questão é que até não muito tempo atrás os públicos alvo das estratégias de comunicação (consumidores) eram vistos como passivos, ou quase isso. Mesmo por que existiam poucos canais de comunicação ascendente, isto é, do mercado consumidor para o anunciante. Dentre esses canais, temos os serviços de atendimento ao consumidor (SAC), órgãos de regulamentação dos anunciantes (tipo CONAR) para proteger o público de eventuais abusos representados por propaganda enganosa além, é claro, das áreas de pesquisa de marketing encarregadas de prover as empresas de informações sobre seus mercados, produtos, serviços e, principalmente, sua imagem. Mas, a questão é que esses canais de comunicação ascendentes são controlados pelas próprias empresas e, normalmente, quando o consumidor precisa utilizar desses canais – individualmente ou em grupo - trata direto com as grandes organizações. Uma conversa que podemos chamar de particular – consumidor e empresa – onde raramente os conteúdos, sejam queixas ou sugestões, chegam às mídias de massa.

Ora, com o advento das mídias sociais esse cenário mudou radicalmente. Agora as pessoas dispõem de canais livres para se comunicar e se expressar sobre o que quiserem, inclusive sobre suas experiências de consumo. Podem opinar e interagir com outros consumidores sobre produtos, serviços ou mesmo sobre campanhas publicitárias de modo totalmente independente das empresas, dos publicitários e dos pesquisadores. A tecnologia deu muito mais poder aos consumidores não apenas para se defenderem. Agora eles podem atacar. E isso representa uma ameaça ou um risco para as grandes corporações preocupadas em manter uma imagem positiva junto aos diferentes públicos com que interagem. Ao mesmo tempo em que torna mais vulnerável a posição de publicitários e pesquisadores, que não controlam o conteúdo das mídias sociais e podem de uma hora para outra ver uma fragilidade exposta para o grande público.

Então qual a solução proposta pelos combatentes da Advertising Research Foundation? Tomar a iniciativa de monitorar os conteúdos gerados pelas mídias sociais. Em outras palavras, voltar os esforços de pesquisa para as mídias sociais, que têm como características serem muito rápidas e mutáveis. Para tanto será necessário desenvolver novas abordagens e ferramentas de pesquisa – aguardem vou preparar um post sobre ferramentas analíticas - para coletar dados que sejam relevantes gerados pelas mídias sociais. Além disso, será necessário também desenvolver novas capacidades analíticas para extrair informações dos dados e, mais adiante, gerar conhecimento que poderá alimentar o processo decisório da empresa. Isso tudo, claro, demandará mudanças sistêmicas nas organizações, inclusive alterações na sua cultura, o que se sabe, não é nada fácil.

Além da retórica, alguns fatos...

A difusão da internet e da comunicação móvel via rede celular sem dúvida veio para ficar e os números do relatório IBOPE/NetRatings, relativos ao último trimestre de 2007, comprovam isso. O relatório contabilizou um total de 22 milhões de internautas residências no Brasil. Quando são considerados todos os ambientes de onde se pode acessar a internet – além da residência, trabalho, escolas, lan houses, bibliotecas, telecentros - o número sobe para 40 milhões (2) em uma população de mais de 170 milhões, segundo o último censo do IBGE (3). Outro estudo comparativo de cinco países conduzido pela consultoria Deloitte (4) indica que as pessoas tendem a investir mais de seu tempo na Internet e deixar a televisão de lado. Segundo a pesquisa, no Brasil, os entrevistados declaram gastar 19,3 horas por semana na Internet por razões pessoais e apenas 9,8 horas assistindo TV (para visualizar a tabela abaixo clique sobre ela).
Fonte: Deloitte State of the Media Democracy survey 2009.

Contudo, o mesmo estudo indica, paradoxalmente, que os participantes da pesquisa consideram os anúncios na TV, nas revistas e jornais – ou seja, as mídias mais "tradicionais" – mais atraentes ou impactantes nas suas decisões de compra do que aqueles veiculados online. Existem outros estudos semelhantes e os dados algumas vezes são convergentes, outras vezes não. Porém, não resta dúvida de que a internet está rivalizando com a televisão e dela retira tempo de audiência em maior ou menor proporção dependendo do perfil da população estudada.

Agenda setting

Então, será que podemos deduzir disso tudo que a pesquisa de marketing está com os dias contatos, como deixou claro uma das participantes de um evento promovido pela ARF? Creio que se trata de um pulo no escuro ou, sendo mais direto, de uma conclusão apressada. Não se pode negar a importância conquistada pelas assim chamadas "mídias sociais", tampouco parece prudente deixá-las de lado quando o assunto é pesquisa de marketing. Mas daí a dizer que a pesquisa focada nas mídias sociais irá substituir a pesquisa tradicional vai uma grande distância. Acredito que durante um bom tempo os dois campos de pesquisa (real e o virtual) irão coexistir. Da mesma forma que o comércio online não substituiu as lojas físicas. Na verdade, o comércio via lojas físicas continua a crescer.

Talvez seja a hora de dizer uma incômoda verdade – nem tudo o que se divulga na internet como pesquisa ou opinião profissional está isento de segundas intenções. Não raras vezes a rede é utilizada para criar fatos, gerar boatos e para instituir uma nova agenda ou influir em temas de modo a lhes emprestar importância e legitimidade. As razões que movem os autores dessas "verdades convenientes" e dos "consensos fabricados" nem sempre ficam claras. A essa tática de ação micropolítica os especialistas em comunicação de massa denominam de agenda setting. Talvez seja o caso de acompanhar a discussão sobre a pesquisa das mídias sociais com atenção, mas manter o "desconfiômetro" ligado.

  1. Mídias utilizadas por pessoas comuns e que produz uma grande quantidade de informações utilizando para isso todo tipo de tecnologia disponível - Internet e redes de comunicação móvel - para se comunicar de maneira fácil e direta com outras pessoas com interesses e opiniões semelhantes ou não. Exemplo de mídias sociais - Facebook, Orkut, blogs, grupos de discussão, além do YouTube, Flickr entre outros, aliás muitos outros.
  2. Número de internautas residenciais chega a 22 milhões no Brasil. IDG Now! Publicada em 26 de março de 2008.
  3. Sinopse preliminar do censo de 2000. O próximo censo populacional ocorrerá em 2010.
  4. Deloitte State of the Media Democracy survey 2009. Para acessar uma amostra de 44 páginas do relatório em pdf clique no nome do arquivo.

terça-feira, 17 de março de 2009

Modismos Tradicionais

Acabo de ler a revista Vogue de março que dedica boa parte de suas páginas a apresentar a nova tendência da moda e costumes para o inverno 2009 – um "revival" dos anos 80 com suas ombreiras, calças bag e fusô, cabelos desfiados e espetados, a estética andrógina de David Bowie, as extravagâncias de Grace Jones entre outras pérolas. Tudo indica que a proposta da indústria do vestuário é que a próxima estação seja marcada pelo retorno ou, como preferem os especialistas da área, por uma releitura dessa época. Isso porque a moda está sempre recorrendo ao passado para se reinventar e, ao que parece, essa estratégia tem funcionado para fazer girar a roda do consumo.


O que temos observado nos últimos anos são reedições ou releituras de padrões estéticos do passado (veja post sobre consumo retro) seja no vestuário, mobiliário, veículos, utensílios domésticos e um sem número de produtos usufruídos no cotidiano. Estamos assistimos a conciliação entre a inovação e a tradição. Em outras palavras, podemos dizer que estamos agregando recursos tecnológicos mais avançados para incrementar a fruição de velhos hábitos.

Exemplos são inúmeros no nosso cotidiano, mas tomo como referência desse fenômeno o consumo de café no Brasil. O hábito de beber café, que é uma tradição em nossa sociedade, vem agregando complexidade e sofisticação em seu processo de consumo.

Beber café está na moda. Em casa ou nas cafeterias, os cafés não são mais coados, mas preparados em cafeteiras high tech que controlam a temperatura da água, moem na medida certa grãos diferenciados – as mais variadas espécies dos chamados "cafés gourmets". Os baristas, profissionais especialistas no preparo da bebida, nos servem em xícaras bem feitas em design e materiais especiais para conservar a temperatura do café. O que estamos fazendo é resgatar com novos recursos tecnológicos um ritual que começou com os árabes nas primeiras cafeterias de Meca – os Kaveh Kanes - pontos de encontro luxuosos e agradáveis onde se podia usufruir da companhia de amigos, fazer negócios, ouvir música e beber café.

Mas o que poderia explicar o resgate de referências estéticas e de conduta do passado para atualizar hábitos de consumo?

Gilles Lipovetsky (1), sociólogo francês que estuda o fenômeno da moda e suas manifestações, acredita que as sociedades ocidentais passaram a cultuar as novidades em detrimento das tradições venerando a mudança e valorizando tudo o que é presente. Para ele as tradições no passado eram adotadas por obrigação, para manter um sentido de coletividade e unidade de valores. No período atual, Pós-Moderno segundo o autor, o individual prevaleceria sobre o coletivo. Não haveria mais a necessidade de se perpetuar costumes, pois teríamos conquistado a liberdade para decidir o que desejamos ser, fazer e querer. Assim, o passado nos serviria apenas como uma referência para novas condutas.

Particularmente acredito mais na força e na permanência das tradições e rituais sociais do que no imperativo das novidades. Talvez o momento atual possa estar orientado para um aparente desprendimento do que é tradicional, mas compartilho da visão de Gabriel de Tarde (2), outro sociólogo francês, para quem o elemento tradicional seria sempre preponderante aos ímpetos da moda e das inovações.


Talvez por isso persistam os hábitos de beber café como faziam os árabes, mas agora com xícaras com design mais elaborado, as confrarias de vinhos abertos agora com saca-rolhas a pilhas, os casamentos com direito a vestidos brancos e toda a parafernália ritual.

O que a moda nos sugere são formas passageiras de usufruir uma tradição, mas as novidades não têm força para se sobrepor aos conteúdos tradicionais. Por isso entendo que os modismos são frágeis e efêmeros enquanto os costumes têm uma natureza mais permanente. Defendo a idéia de que quando resgatamos e repaginamos antigos hábitos de consumo e formas de agir com os ares da inovação o fazemos numa tentativa de preservar um eixo, algo que nos sirva de referência e nos permita preservar nossa identidade cultural.


(1) Lipovetsky, Gilles O império do efêmero - a moda e seu destino nas sociedades modernas. S. Paulo, Cia das Letras, 1989.

(2) De Tarde, Gabriel Les lois de l'imitation (1890). Texte de la deuxième édition, 1895. Réimpression: Paris: Éditions Kimé, 1993, 428 pages. Para acessar uma coleção de textos do sociólogo Gabriel de Tarde clique aqui