terça-feira, 12 de maio de 2009

Quando a publicidade reforça os estereótipos

O novo filme das Sandálias Havaianas é mais um bom exemplo de uma peça publicitária que reforça a malandragem e o jeitinho como traços do caráter nacional.
Resumidamente, o filme mostra um grupo cantando e bebendo cervejas alegremente num bar quando uma mulher com traços que poderíamos definir como “tipo intelectual” - camisa, colete, cabelo preso e óculos - pergunta ao grupo como eles conseguem cantar e se divertir quando o mundo está sob os efeitos de uma grave crise econômica. A resposta vem cantada em forma de samba – “tristeza, por favor, vá embora” (lalalá).
Embora a função do filme publicitário seja divulgar um produto – as sandálias aparecem como instrumento de percussão nas mãos do ator Marcos Palmeira - está implícita no texto a promoção de um padrão de conduta que corresponde a antigos estereótipos que fazem parte do imaginário popular e do referencial cultural brasileiro. A atitude do grupo flerta de perto com a malandragem - ser astuto, esperto, levar sempre vantagem sobre pessoas e situações, dar um jeitinho para se livrar de problemas – no caso desse filme, a crise econômica.
O filme das Havaianas utiliza de uma linguagem pretensamente bem humorada para procla-mar que o mais adequado e correto a fazer diante de problemas é cantar. Cantar é a solução para espantar a tristeza; a música funciona como um amuleto que espanta os males para longe. O bom é não pensar em coisas sérias, o legal de ser brasileiro é ter a cabeça fresca, afinal de contas “é só deixar como está para ver como é que fica”, “tudo passa”.
Em contraponto, a mulher que questiona o grupo sobre a necessidade de uma postura de seriedade diante da crise se apresenta como um empecilho para a felicidade, um incômodo a ser banido. Ela é a estranha que não carrega a alma brasileira.
O uso desses estereótipos não é novo na publicidade brasileira. O marco definitivo do “folclore do jeitinho” ficou famoso no anúncio dos cigarros Vila Rica, protagonizado pelo jogador de futebol Gerson anos 70 que entoou a frase: "Você gosta de levar vantagem em tudo, certo?" Se a princípio a campanha publicitária não teve um impacto pejorativo, tornou-se um jargão que virou a chamada “lei de Gerson” para ser utilizado como sinônimo de falta de escrúpulos e ética.
Para a historiadora Maria Izilda Matos essa propaganda “captou um elemento de identificação que estava no imaginário popular. A lei de Gerson funcionou como mais um elemento na definição da identidade nacional e o símbolo mais explícito da nossa ética ou falta de ética". E é exatamente o que o filme das Sandálias Havaianas está fazendo mais uma vez.
Depois não adianta reclamar quando estrangeiros não nos vêem com bons olhos, não nos entendem como pessoas sérias e confiáveis.

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