terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Consumo retrô – uma busca de referências perdidas

Nos últimos anos temos assistido a um interessante e crescente fenômeno da oferta de produtos com design retrô, que incorporam de modo explícito referências a variadas décadas do passado século XX. Não se pode dizer que este fato seja novo, mas sem dúvida a intensidade com que estes produtos estão surgindo, indicam para uma clara tendência do consumo. É possível identificar produtos em diferentes segmentos, tais como: automóveis, eletroeletrônicos, utensílios domésticos, decoração e, naturalmente, na moda. Neste último exemplo, os casos são abundantes talvez até em razão da maneira como os estilos de décadas passadas estão sendo revistos e relançados com graus variados de aceitação do grande público.

O resgate da identidade social perdida

Desenvolvi um caminho analítico que se mostrou produtivo ao procurar compreender o significado cultural do crescente interesse por produtos com visual retrô, vintage ou qualquer outro nome que se dê a esses produtos.

O contexto cultural atual, nas grandes metrópoles ocidentais pode ser descrito como um ambiente onde os valores e os modelos tradicionais que durante muitos anos funcionaram como pólos aglutinadores da vida social estão perdendo força de maneira dramática. Basta citar que durante muitos anos os papéis no casamento – marido e esposa - eram claramente definidos em termos de gênero pela sociedade. Existiam modelos que deveriam ser emulados com pouco ou nenhum espaço para variações e inovações. Marido = provedor e mulher = dona de casa. De modo contrastante, atualmente existe uma pluralidade de possibilidades que podem ser exploradas pelo casal.

Existem casais onde o papel de provedor é compartilhado entre marido e esposa. Em outros casos, a mulher assume o papel de fonte primária de renda e o marido cuida dos filhos. Os papéis sociais admitem, hoje, um grau de variabilidade que seria impensável para homens e mulheres de gerações anteriores.

O custo da maior liberdade de escolha é no entender do sociólogo Zygmunt Bauman (1), um estado de permanente ansiedade. Ao mesmo tempo em que as tradições perderam força como vetor determinante dos comportamentos, aumentou a responsabilidade individual diante da tarefa de escolher quais papéis assumir e assim definir a própria identidade em termos sociais. O mesmo Bauman afirma existir um mal estar na atual fase da modernidade - que ele denomina de Líqüida - em razão das novas tarefas que recaíram sobre as pessoas, no momento em que estas perderam as referências da tradição.

Assim, para fugir do desconforto e da ansiedade elevadas – problemas gerados pelas novas condições culturais - muitos estariam procurando refúgio no consumo de ícones do passado. Seria como que uma tentativa de resgatar as referências de um tempo em que as situações sociais e os papéis eram mais facilmente identificáveis e as escolhas, caso existissem, mais simples. Seria uma tentativa de reparação – via imaginário – ou de encontrar um substituto do passado, representado como uma era de ouro, onde se vivia sem tanta pressão e ansiedade. Porém, ao mesmo tempo se procura preservar a maior liberdade conquistada.

Se este caminho interpretativo se mostrar adequado, podemos esperar pelo surgimento de muitos outros produtos com design retrô nas próximas décadas. Ou, alternativamente, poderemos observar um ressurgimento das tradições em termos gerais e num sentido mais profundo. Alguns analistas acreditam que esta segunda hipótese já estaria ocorrendo de modo inequívoco (2).

(1) Bauman, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Zahar, 2001.
(2) Ver: Edgar Morin entrevista publicada no jornal Le Figaro, em 21 de julho de 2002. Para ler uma tradução clique aqui.