quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Princípios de Científicidade para a Pesquisa Qualitativa

A discussão acerca do caráter científico ou não da pesquisa qualitativa tende a ser sempre muito acalorada. De um lado, ficam aqueles que defendem a metodologia como sendo o único caminho para se explorar as razões, motivações e intenções dos comportamentos humanos que, de outra forma, não seriam acessadas pela pesquisa científica. No lado oposto ficam os críticos que vêem na abordagem qualitativa mais uma pseudo-metodologia que – na melhor das hipóteses – produziria um corpo de informações subjetivas e, portanto, sem valor científico intrínseco.

Como consultor de pesquisa qualitativa, claro que tenho minhas opiniões favoráveis à abordagem qualitativa, mas não deixo de reconhecer suas fragilidades e, ainda pior, os momentos em que ela é instrumentalizada por interesses particulares – inclusive políticos – que acabam por lançar no esgoto toda informação produzida, que nestes casos não passam de peças de propaganda ou doutrinação. Mas este tema da instrumentalização política fica para outro post. Neste, desejo apontar alguns princípios que devem nortear toda pesquisa – quantitativa ou qualitativa - que pretenda ser merecedora do adjetivo científica.
Em 1942 o sociológo Robert Merton criou um conjunto de princípios de cientificidade, que difundiram-se pela comunidade científica. O acrônimo C-U-D-O-S serve para sintetizar os referidos princípios Mertonianos. Vejamos:

  • Comunalidade – indica que a pesquisa e o conhecimento científico são patrimônios públicos, um bem comum. Decorre daí que não existe essa história de “metodologias proprietárias” em ciência. Quem se pretende pesquisador usa métodos reconhecidos pela comunidade científica. Quem usa metodologias exclusivas faz outra coisa que não ciência - sei lá, shamanismo.
  • Universalidade - este princípio refere-se ao caráter aberto do corpo científico. Qualquer um pode contribuir para a construção do conhecimento científico, desde que respeite as regras da cientificidade.
  • Desinteresse – refere-se à imparcialidade daquele que busca produzir conhecimento científico. De outra forma, o que se faz é política, proselitismo religioso ou pura mistificação. Claro, a neutralidade do saber é sempre um problema. Mas, convenhamos melhor tentar fazer o máximo em termos de imparcialidade do que enfiar o pé na jaca da produção ideológica e ainda tentar levar a fama de científico. Isso não cola. O tempo varre para o lixo toda pesquisa feita por “encomenda” de quem quer que seja.
  • Originalidade – toda pesquisa deve buscar adicionar algo novo ao corpo de conheci-mentos de uma determinada disciplina do saber. De modo geral, as contribuições são pequenas adições, raramente constituem uma ruptura. Não é todo dia que se cria uma teoria da relatividade.
  • Ceticismo (Skepticism em inglês) – todo conhecimento que se pretenda científico deve estar aberto à crítica e refutação. Por isso, a metodologia deve ser reconhecida e aceita. O conhecimento científico tem um caráter provisório, pois aceita a possibilidade de vir a ser superado por novos incrementos no conhecimento.
Os princípios acima apresentados são uma versão modificada dos originalmente criados por Robert Merton.

Referência: Merton, Robert K. The Sociology of Science: Theoretical and Empirical Investigations. Chicago, University of Chicago Press, 1973.

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