terça-feira, 17 de março de 2009

Modismos Tradicionais

Acabo de ler a revista Vogue de março que dedica boa parte de suas páginas a apresentar a nova tendência da moda e costumes para o inverno 2009 – um "revival" dos anos 80 com suas ombreiras, calças bag e fusô, cabelos desfiados e espetados, a estética andrógina de David Bowie, as extravagâncias de Grace Jones entre outras pérolas. Tudo indica que a proposta da indústria do vestuário é que a próxima estação seja marcada pelo retorno ou, como preferem os especialistas da área, por uma releitura dessa época. Isso porque a moda está sempre recorrendo ao passado para se reinventar e, ao que parece, essa estratégia tem funcionado para fazer girar a roda do consumo.


O que temos observado nos últimos anos são reedições ou releituras de padrões estéticos do passado (veja post sobre consumo retro) seja no vestuário, mobiliário, veículos, utensílios domésticos e um sem número de produtos usufruídos no cotidiano. Estamos assistimos a conciliação entre a inovação e a tradição. Em outras palavras, podemos dizer que estamos agregando recursos tecnológicos mais avançados para incrementar a fruição de velhos hábitos.

Exemplos são inúmeros no nosso cotidiano, mas tomo como referência desse fenômeno o consumo de café no Brasil. O hábito de beber café, que é uma tradição em nossa sociedade, vem agregando complexidade e sofisticação em seu processo de consumo.

Beber café está na moda. Em casa ou nas cafeterias, os cafés não são mais coados, mas preparados em cafeteiras high tech que controlam a temperatura da água, moem na medida certa grãos diferenciados – as mais variadas espécies dos chamados "cafés gourmets". Os baristas, profissionais especialistas no preparo da bebida, nos servem em xícaras bem feitas em design e materiais especiais para conservar a temperatura do café. O que estamos fazendo é resgatar com novos recursos tecnológicos um ritual que começou com os árabes nas primeiras cafeterias de Meca – os Kaveh Kanes - pontos de encontro luxuosos e agradáveis onde se podia usufruir da companhia de amigos, fazer negócios, ouvir música e beber café.

Mas o que poderia explicar o resgate de referências estéticas e de conduta do passado para atualizar hábitos de consumo?

Gilles Lipovetsky (1), sociólogo francês que estuda o fenômeno da moda e suas manifestações, acredita que as sociedades ocidentais passaram a cultuar as novidades em detrimento das tradições venerando a mudança e valorizando tudo o que é presente. Para ele as tradições no passado eram adotadas por obrigação, para manter um sentido de coletividade e unidade de valores. No período atual, Pós-Moderno segundo o autor, o individual prevaleceria sobre o coletivo. Não haveria mais a necessidade de se perpetuar costumes, pois teríamos conquistado a liberdade para decidir o que desejamos ser, fazer e querer. Assim, o passado nos serviria apenas como uma referência para novas condutas.

Particularmente acredito mais na força e na permanência das tradições e rituais sociais do que no imperativo das novidades. Talvez o momento atual possa estar orientado para um aparente desprendimento do que é tradicional, mas compartilho da visão de Gabriel de Tarde (2), outro sociólogo francês, para quem o elemento tradicional seria sempre preponderante aos ímpetos da moda e das inovações.


Talvez por isso persistam os hábitos de beber café como faziam os árabes, mas agora com xícaras com design mais elaborado, as confrarias de vinhos abertos agora com saca-rolhas a pilhas, os casamentos com direito a vestidos brancos e toda a parafernália ritual.

O que a moda nos sugere são formas passageiras de usufruir uma tradição, mas as novidades não têm força para se sobrepor aos conteúdos tradicionais. Por isso entendo que os modismos são frágeis e efêmeros enquanto os costumes têm uma natureza mais permanente. Defendo a idéia de que quando resgatamos e repaginamos antigos hábitos de consumo e formas de agir com os ares da inovação o fazemos numa tentativa de preservar um eixo, algo que nos sirva de referência e nos permita preservar nossa identidade cultural.


(1) Lipovetsky, Gilles O império do efêmero - a moda e seu destino nas sociedades modernas. S. Paulo, Cia das Letras, 1989.

(2) De Tarde, Gabriel Les lois de l'imitation (1890). Texte de la deuxième édition, 1895. Réimpression: Paris: Éditions Kimé, 1993, 428 pages. Para acessar uma coleção de textos do sociólogo Gabriel de Tarde clique aqui

Nenhum comentário: