sábado, 21 de março de 2009

O fim da pesquisa de marketing como nós a conhecemos?


Não sei se estou me sentindo preocupado pelos recentes documentários do History Channel que tratam do apocalipse, do Armagedom e das possíveis relações disso tudo com o calendário Maia que termina em 2012, além das sempre citadas profecias de Nostradamus e dos índios Hopi - ufa! Isso tudo poder ser apenas excesso de imaginação, contudo, parece que o clima de expectativas apocapílticas também chegou à área da pesquisa de marketing, como se pode notar na entrevista recentemente publicada no site Divas Marketing com o diretor da ARF (Advertising Research Foundation) Joel Rubinson. O tema era justamente as profundas mudanças que estariam começando a acontecer na área de pesquisa de marketing em razão da emergência das assim chamadas "mídias sociais" (1). Tais mudanças segundo Rubinson irão transformar a pesquisa de marketing de tal maneira que uma participante de um dos eventos da ARF chegou a dizer que até 2012 - olhe a data de novo - a pesquisa de marketing que conhecemos estaria sobrevivendo apenas com a ajuda de aparelhos. Em outras palavras, estaria moribunda numa UTI qualquer esperando o fim chegar.


Poder para as pessoas

Mas afinal qual o desafio que as mídias sociais apresentam para os anunciantes, publicitários e pesquisadores cujos interesses a ARF representa?

A questão é que até não muito tempo atrás os públicos alvo das estratégias de comunicação (consumidores) eram vistos como passivos, ou quase isso. Mesmo por que existiam poucos canais de comunicação ascendente, isto é, do mercado consumidor para o anunciante. Dentre esses canais, temos os serviços de atendimento ao consumidor (SAC), órgãos de regulamentação dos anunciantes (tipo CONAR) para proteger o público de eventuais abusos representados por propaganda enganosa além, é claro, das áreas de pesquisa de marketing encarregadas de prover as empresas de informações sobre seus mercados, produtos, serviços e, principalmente, sua imagem. Mas, a questão é que esses canais de comunicação ascendentes são controlados pelas próprias empresas e, normalmente, quando o consumidor precisa utilizar desses canais – individualmente ou em grupo - trata direto com as grandes organizações. Uma conversa que podemos chamar de particular – consumidor e empresa – onde raramente os conteúdos, sejam queixas ou sugestões, chegam às mídias de massa.

Ora, com o advento das mídias sociais esse cenário mudou radicalmente. Agora as pessoas dispõem de canais livres para se comunicar e se expressar sobre o que quiserem, inclusive sobre suas experiências de consumo. Podem opinar e interagir com outros consumidores sobre produtos, serviços ou mesmo sobre campanhas publicitárias de modo totalmente independente das empresas, dos publicitários e dos pesquisadores. A tecnologia deu muito mais poder aos consumidores não apenas para se defenderem. Agora eles podem atacar. E isso representa uma ameaça ou um risco para as grandes corporações preocupadas em manter uma imagem positiva junto aos diferentes públicos com que interagem. Ao mesmo tempo em que torna mais vulnerável a posição de publicitários e pesquisadores, que não controlam o conteúdo das mídias sociais e podem de uma hora para outra ver uma fragilidade exposta para o grande público.

Então qual a solução proposta pelos combatentes da Advertising Research Foundation? Tomar a iniciativa de monitorar os conteúdos gerados pelas mídias sociais. Em outras palavras, voltar os esforços de pesquisa para as mídias sociais, que têm como características serem muito rápidas e mutáveis. Para tanto será necessário desenvolver novas abordagens e ferramentas de pesquisa – aguardem vou preparar um post sobre ferramentas analíticas - para coletar dados que sejam relevantes gerados pelas mídias sociais. Além disso, será necessário também desenvolver novas capacidades analíticas para extrair informações dos dados e, mais adiante, gerar conhecimento que poderá alimentar o processo decisório da empresa. Isso tudo, claro, demandará mudanças sistêmicas nas organizações, inclusive alterações na sua cultura, o que se sabe, não é nada fácil.

Além da retórica, alguns fatos...

A difusão da internet e da comunicação móvel via rede celular sem dúvida veio para ficar e os números do relatório IBOPE/NetRatings, relativos ao último trimestre de 2007, comprovam isso. O relatório contabilizou um total de 22 milhões de internautas residências no Brasil. Quando são considerados todos os ambientes de onde se pode acessar a internet – além da residência, trabalho, escolas, lan houses, bibliotecas, telecentros - o número sobe para 40 milhões (2) em uma população de mais de 170 milhões, segundo o último censo do IBGE (3). Outro estudo comparativo de cinco países conduzido pela consultoria Deloitte (4) indica que as pessoas tendem a investir mais de seu tempo na Internet e deixar a televisão de lado. Segundo a pesquisa, no Brasil, os entrevistados declaram gastar 19,3 horas por semana na Internet por razões pessoais e apenas 9,8 horas assistindo TV (para visualizar a tabela abaixo clique sobre ela).
Fonte: Deloitte State of the Media Democracy survey 2009.

Contudo, o mesmo estudo indica, paradoxalmente, que os participantes da pesquisa consideram os anúncios na TV, nas revistas e jornais – ou seja, as mídias mais "tradicionais" – mais atraentes ou impactantes nas suas decisões de compra do que aqueles veiculados online. Existem outros estudos semelhantes e os dados algumas vezes são convergentes, outras vezes não. Porém, não resta dúvida de que a internet está rivalizando com a televisão e dela retira tempo de audiência em maior ou menor proporção dependendo do perfil da população estudada.

Agenda setting

Então, será que podemos deduzir disso tudo que a pesquisa de marketing está com os dias contatos, como deixou claro uma das participantes de um evento promovido pela ARF? Creio que se trata de um pulo no escuro ou, sendo mais direto, de uma conclusão apressada. Não se pode negar a importância conquistada pelas assim chamadas "mídias sociais", tampouco parece prudente deixá-las de lado quando o assunto é pesquisa de marketing. Mas daí a dizer que a pesquisa focada nas mídias sociais irá substituir a pesquisa tradicional vai uma grande distância. Acredito que durante um bom tempo os dois campos de pesquisa (real e o virtual) irão coexistir. Da mesma forma que o comércio online não substituiu as lojas físicas. Na verdade, o comércio via lojas físicas continua a crescer.

Talvez seja a hora de dizer uma incômoda verdade – nem tudo o que se divulga na internet como pesquisa ou opinião profissional está isento de segundas intenções. Não raras vezes a rede é utilizada para criar fatos, gerar boatos e para instituir uma nova agenda ou influir em temas de modo a lhes emprestar importância e legitimidade. As razões que movem os autores dessas "verdades convenientes" e dos "consensos fabricados" nem sempre ficam claras. A essa tática de ação micropolítica os especialistas em comunicação de massa denominam de agenda setting. Talvez seja o caso de acompanhar a discussão sobre a pesquisa das mídias sociais com atenção, mas manter o "desconfiômetro" ligado.

  1. Mídias utilizadas por pessoas comuns e que produz uma grande quantidade de informações utilizando para isso todo tipo de tecnologia disponível - Internet e redes de comunicação móvel - para se comunicar de maneira fácil e direta com outras pessoas com interesses e opiniões semelhantes ou não. Exemplo de mídias sociais - Facebook, Orkut, blogs, grupos de discussão, além do YouTube, Flickr entre outros, aliás muitos outros.
  2. Número de internautas residenciais chega a 22 milhões no Brasil. IDG Now! Publicada em 26 de março de 2008.
  3. Sinopse preliminar do censo de 2000. O próximo censo populacional ocorrerá em 2010.
  4. Deloitte State of the Media Democracy survey 2009. Para acessar uma amostra de 44 páginas do relatório em pdf clique no nome do arquivo.

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