terça-feira, 18 de maio de 2010

Mentiras OnLine

Os efeitos da virtualidade sobre o comportamento dos indivíduos e dos grupos têm sido foco de inúmeros estudos nas ciências sociais. Um tema que tem recebido atenção dos pesquisadores é a maneira como as mensagens que circulam pela internet, especialmente os e-mails, podem ter um conteúdo intencionamente enganoso ou mentiroso. E isso tem sido especialmente preocupante no caso dos e-mails corporativos.

Estudos coordenados por pesquisadores norte-americanos em 2008, dentre eles a Prof. Liuba Belkin da Universidade Lehigh - Pensilvânia (1) concluíram que o e-mail tende a ser a forma mais elusiva de comunicação no ambiente de trabalho. Segundo a professora, a comunicação por e-mails tem sido uma preocupação das grandes organizações porque o que estaria em jogo seria a questão da confiança, uma vez que por e-mail não é possível perceber pistas verbais ou comportamentais e pode acontecer de uma pessoa produzir intencionalmente um texto enganoso ou mentiroso.

Para comparar o efeito do e-mail frente a comunicação do tipo “papel e caneta” a equipe da Prof. Liuba distribuiu US$ 89 para cada um de 48 estudantes de um curso de MBA. Cada um tinha que dividir o valor com um colega fictício que sabia que o total a ser dividido estava entre US$ 5 e US$ 100 e teria que aceitar a quantia recebida, não importando o valor. Foi pedido que os sujeitos usassem e-mail ou papel para comunicar ao colega o valor total disponível e quanto o colega receberia. Dos estudantes que usaram papel e caneta, 64% mentiram sobre o valor total, contra 92% dentre os que preferiram usar e-mail. Ou seja, os estudantes que preferiram papel e caneta tenderam a contar aos colegas um valor recebido mais próximo do real do que aqueles que preferiram usar o e-mail.

Em outro estudo conduzido com 69 estudantes foi possível compreender que mesmo entre amigos usuários de e-mail, as pessoas continuaram a mentir mais do que entre amigos que utilizaram comunicação escrita. Indicando que, mesmo que as identidades sejam conhecidas, aqueles que escreveram os e-mails continuaram faltando mais com a verdade.

Para os pesquisadores, as pessoas sentem-se mais à vontade para agir de modo pouco verdadeiro ao digitar um e-mail do que quando têm que escrever a mensagem num papel.

A preocupação com a veracidade de conteúdo dos e-mails tem gerado investimentos para o desenvolvimento de programas para analisar o conteúdo de textos produzidos na Internet. O pesquisador Jeff Hancock da Universidade de Cornell desenvolveu em 2007 um software detector de mentiras capaz de analisar textos de e-mails para descobrir se o conteúdo é verdadeiro ou não. Segundo o estudo, a margem de acerto dos testes realizados com o software seria de cerca de 70%. Algumas das pistas que indicariam textos falaciosos:
  • Textos falsos teriam cerca de 28% mais palavras que textos verdadeiros;
  • Frases que possam despertar ambigüidade são mais frequentes em textos falsos;
  • Mentiras tendem a ser contadas de forma mais detalhada, através do que os pesquisadores chamaram de "expressões de sentido" - como "sentir", "ver", e "tocar" - usadas para criar um cenário que nunca existiu;
  • Mentirosos desconfortáveis com sua pirraça tendem usar mais palavras com sentido negativo, como "triste", "estressado", "irritado";
  • Mentirosos tentam se distanciar de seu embuste usando pronomes de terceira pessoa, como "ele" e "ela".
Por sua natureza virtual, a web parece ter propiciado a expressão mais aberta e livre onde os sujeitos podem tanto expressar os seus pensamentos mais verdadeiros, como elaborar as histórias mais fabulosas e, por vezes falaciosas. Por essa razão, confiar plenamente nos relatos que nos chegam via ciberespaço pode representar um risco.

Tomar informações de textos produzidos no contexto virtual como verdades inquestionáveis pode ser uma faca de dois gumes. Se por um lado a relativa privacidade garantida na web pode fazer com que um sujeito emita as mais sinceras opiniões acerca de qualquer tema, essa mesma privacidade pode instigar a produção de discursos dissimulados, enganosos ou mentirosos.

Um depoimento retirado do serviço Yahoo Respostas sobre as razões pelas quais as pessoas mentem mais on-line ilustra apropriadamente a possibilidade de recebermos discursos dissimulados:

“na verdade [as pessoas] mentem porque nunca poderão ser descobertas... ninguem conseguirá saber se o que dizem é verdade ou mentira... é só manter uma certa coerência nas respostas...


EU, POR EX. tenho 3 nicks diferentes aqui no YR... 1 deles, sou eu realmente
outro, é aquilo que eu quero que as pessoas pensem de mim...
e o ultimo, é o meu lado "perverso" no bom sentido, é claro...onde falo coisas que nem de longe diria ou faria na minha vida real...rsrsrs


E AGORA? vc sabe qual dessas 3 está respondendo esta pergunta???”



(1) O artigo Online communication and social dilemmas: How communication media influences interpersonal trust, cooperative behavior and perceptions of fairness, de Liuba Belkin foi publicado pelo Social Justice Research Journal. clique aqui.

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