terça-feira, 18 de maio de 2010

Redes Sociais e os limites cognitivos - o número de Dunbar

Fato bastante corriqueiro atualmente é nos depararmos com amigos, colegas de trabalho, contatos profissionais e outros que em suas redes sociais - do tipo Linkedin , Facebook , MySpace etc. - que contam com centenas de contatos ou conexões. Os números chegam a impressionar, mas o que interessa aqui é saber qual é o significado simbólico dessas redes de contato?

Notem que não falo em explorar o suposto valor prático de tais redes sociais. Mesmo porque o tipo de resposta que as pessoas dão ao serem perguntadas sobre a razão prática de investirem tempo e energia para construir uma rede tão vasta e variada, normalmente, cai no trivial como: “É importante profissionalmente para estreitar meus contatos”. Ou ainda, “Gosto de manter em contato com pessoas com interesses em comum” E assim por diante.

Por outro lado, o significado simbólico de se construir uma teia de contatos virtuais grande oferece possibilidades de compreensão que não são tão óbvias assim.

O número de Dunbar
Segundo estudos do antropólogo inglês Robin Dumbar um indivíduo conseguiria manter uma rede de aproximadamente 153.5 contatos pessoais estáveis. A limitação se daria em razão de características cognitivas de nosso neo-cortex. Números superiores resultariam em contatos distantes e impessoais. Esse número de 150 contatos ou conexões ficou conhecido por número de Dumbar(1).

Apesar do estudo ter sido inicialmente realizado para contatos no mundo físico, atualmente o professor Dumbar está na fase final da replicação do estudo para os meios virtuais e, tudo indica, o limite continuaria válido - 150 conexões estáveis.
Com esse dado empírico podemos descartar como hipótese explicativa para rede sociais grandes qualquer razão baseada na eficiência e ou na eficácia dos contatos. Então avancemos para a hipótese simbólica.

Identidades Voláteis e transitórias

Do lado de minha experiência direta, sempre que posso procuro avaliar e comparar a pessoa a quem conheço pessoalmente com o perfil de sua rede social. Frequentemente encontro situações curiosas onde a impressão que a rede social procura transmitir é, ao menos, complementar senão oposta à impressão que tenho da pessoa, digamos, “real”. Alguns exemplos para ilustrar:

1 - Profissional típico de escritório, algo fora de forma, barrigudinho, que se apresenta como um esportista de “Endurance”, isto é de provas resistência;
2 - Profissional por volta de 55 anos em fase profissional estacionária, talvez pudéssemos dizer estagnada há alguns anos, que se apresenta como executivo ativo no topo da carreira;
3 - Pessoa que lida com certas limitações de conhecimentos e até certa aversão a tecnologia em geral, mas que procura se apresentar como alguém com intimidade com redes e outras aplicações de TI. Dentre muitos outros exemplos.

Claro, Tenho consciência da fragilidade dos dados acima. São fragmentos de minha memória e avaliações subjetivas. Mas o que me surpreende é que eles parecem validar as idéias do psicólogo social norte-americano Kenneth Gergen, para quem vivemos em um período inicial da pós-modernidade. Segundo esse autor, a nossa identidade social seria construída de modo frágil, intencionalmente trasitório. Nossos vínculos sociais, os papéis que vivemos e nossas escolhas de vida seriam feitas de modo provisório, atendendo a interesses e conveniências circunstanciais. Seria o oposto do que ocorreu durante a modernidade, onde as escolhas seriam feitas de modo mais racional levando em conta as oportunidades e os riscos envolvidos e tendo em vista compromissos de longo prazo (2). Segundo os termos de Gergen, as redes sociais podem ser classificadas como tecnologias de saturação do Self. Ao invés de uma estrutura hierárquica de papéis e identidades, teríamos algo como um mosaico de identidades provisórias, construídas por conveniências e sem muita consistência. A essas identidades móveis Gergen chamou de "Ersatz Being" (3) - ou um self substituto de "qualidade inferior" (4).

Voltando à minha reflexão inicial, penso que muitas pessoas utilizem as redes sociais para construir e difundir identidades sociais que têm pouca ou nenhuma congruência com os papéis mais freqüentes que elas vivem na vida “real” e tão pouco com a auto-imagem que elas têm delas mesmas. Não são necessariamente mentiras, mas antes fabulações, desejos e, em casos mais patológicos, delírios.

Em tempos de agitação e excitação irracional em torno da pesquisa de mídias sociais, acredito que ainda não chegou o momento para termos uma perspectiva mais clara acerca dos sentidos sociais e simbólicos das redes sociais. Mas uma coisa já podemos concluir: "Tem gente vendendo gato por lebre".

(1) Dunbar & Hill (2003) utilizaram como método para avaliar o tamanho de uma rede social respostas a um questionário acerca da lista de endereços de cartões de natal utilizados pelos sujeitos da pesquisa. O estudo mostrou que o tamanho médio máximo de uma rede de contatos sociais é 153.5 conexões com outros indivíduos explícitamente contactados. O estudo permitiu inferir que existem restrições cognitivas ao tamanho de uma rede. Para ler o artigo clique aqui.
(2) Para maiores detalhes ver: Giddens, A. Modernity and Self Identity - self and society in late modern age. Stanford, Stanford University Press, 1991.
(3) Ersatz é uma palavra alemã cujo significado literal é substituto. Embora seu uso em inglês seja o de adjetivo, em alemão Ersatz só existe como substantivo de próprio direito ou em aglutinação com outras palavras tais como Ersatzteile (partes substitutas) ou Ersatzspieler (jogador substituto). Embora em inglês tal termo frequentemente implique a inferioridade ou a qualidade insatisfatória da substituição, o mesmo não acontece necessariamente em alemão (Ver).
(4) Ver: Gergen, K. J. The Saturated Self - Dilemmas of Identity in contemporary life. New York, Basic Books, 2000.

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