quarta-feira, 26 de abril de 2017

Coisas que você precisa (e deveria) saber antes de pesquisar o seu consumidor


Está cada vez mais difundida a modalidade de pesquisa de mercado que se constitui em visitas à casa das pessoas ou a observação de locais onde as pessoas consomem e se relacionam. Um dos principais motivos para a escolha dessa técnica é poder fazer uma imersão na realidade e, assim, buscar compreender os comportamentos nos locais onde eles ocorrem.  No entanto, muitos dos que se aventuram pela pesquisa qualitativa desconhecem as origens da abordagem e seus pressupostos teóricos. Então, antes de sair com seu gravador e bloco de notas para observar consumidores em suas casas ou em Shoppings Centers leia a excelente resenha que a professora Licia Valladares (*) fez do livro Street Corner Society de William Foote Whyte (1947). Este é um clássico dos estudos urbanos e leitura  fundamental para quem se propõe a fazer trabalhos de pesquisa de campo de inspiração qualitativa – como  é o caso da chamada “pesquisa etnográfica”.

Ao final da leitura, você poderá perceber que muito do que se faz hoje nas imersões etnográficas em pesquisa de mercado são versões bastante adaptadas da "Observação Participante" - método para investigação de fenômenos sociais originário da Sociologia.

Os Dez mandamentos da Observação Participante:


1) A observação participante, implica, necessariamente, um processo longo. Muitas vezes o pesquisador passa inúmeros meses para "negociar" sua entrada na área. Uma fase exploratória é, assim, essencial para o desenrolar ulterior da pesquisa. O tempo é também um pré-requisito para os estudos que envolvem o comportamento e a ação de grupos: para se compreender a evolução do comportamento de pessoas e de grupos é necessário observá-los por um longo período e não num único momento (p. 320).

2) O pesquisador não sabe de antemão onde está "aterrissando", caindo geralmente de "pára-quedas" no território a ser pesquisado. Não é esperado pelo grupo, desconhecendo muitas vezes as teias de relações que marcam a hierarquia de poder e a estrutura social local. Equivoca-se ao pressupor que dispõe do controle da situação.

3) A observação participante supõe a interação pesquisador/pesquisado. As informações que obtém, as respostas que são dadas às suas indagações, dependerão, ao final das contas, do seu comportamento e das relações que desenvolve com o grupo estudado. Uma auto-análise faz-se, portanto, necessária e convém ser inserida na própria história da pesquisa. A presença do pesquisador tem que ser justificada (p. 301) e sua transformação em "nativo" não se verificará, ou seja, por mais que se pense inserido, sobre ele paira sempre a "curiosidade" quando não a desconfiança.

4) Por isso mesmo o pesquisador deve mostrar-se diferente do grupo pesquisado. Seu papel de pessoa de fora terá que ser afirmado e reafirmado. Não deve enganar os outros, nem a si próprio. "Aprendi que as pessoas não esperavam que eu fosse igual a elas. Na realidade estavam interessadas em mim e satisfeitas comigo porque viam que eu era diferente. Abandonei, portanto, meus esforços de imersão total" (p. 304).

5) Uma observação participante não se faz sem um "Doc", intermediário que "abre as portas" e dissipa as dúvidas junto às pessoas da localidade. Com o tempo, de informante-chave, passa a colaborador da pesquisa: é com ele que o pesquisador esclarece algumas das incertezas que permanecerão ao longo da investigação. Pode mesmo chegar a influir nas interpretações do pesquisador, desempenhando, além de mediador, a função de "assistente informal".

6) O pesquisador quase sempre desconhece sua própria imagem junto ao grupo pesquisado. Seus passos durante o trabalho de campo são conhecidos e muitas vezes controlados por membros da população local. O pesquisador é um observador que está sendo todo o tempo observado.

7) A observação participante implica saber ouvir, escutar, ver, fazer uso de todos os sentidos. É preciso aprender quando perguntar e quando não perguntar, assim como que perguntas fazer na hora certa (p. 303). As entrevistas formais são muitas vezes desnecessárias (p. 304), devendo a coleta de informações não se restringir a isso. Com o tempo os dados podem vir ao pesquisador sem que ele faça qualquer esforço para obtê-los.

8) Desenvolver uma rotina de trabalho é fundamental. O pesquisador não deve recuar em face de um cotidiano que muitas vezes se mostra repetitivo e de dedicação intensa. Mediante notas e manutenção do diário de campo ( field notes ), o pesquisador se autodisciplina a observar e anotar sistematicamente. Sua presença constante contribui, por sua vez, para gerar confiança na população estudada.

9) O pesquisador aprende com os erros que comete durante o trabalho de campo e deve tirar proveito deles, na medida em que os passos em falso fazem parte do aprendizado da pesquisa. Deve, assim, refletir sobre o porquê de uma recusa, o porquê de um desacerto, o porquê de um silêncio.

10) O pesquisador é, em geral, "cobrado", sendo esperada uma "devolução" dos resultados do seu trabalho. "Para que serve esta pesquisa?" "Que benefícios ela trará para o grupo ou para mim?" Mas só uns poucos consultam e se servem do resultado final da observação. O que fica são as relações de amizade pessoal desenvolvidas ao longo do trabalho de campo.



(*)Licia Valladares é professora de Sociologia da Universidade de Lille 1 e membro do Laboratório Clerse/CNRS. No Brasil é pesquisadora associada do Iupe

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